Especialista alerta para os sinais que evidenciam o problema e orientam quando buscar ajuda
Blog do Eloilton Cajuhy – BEC

Em centros urbanos onde episódios de violência se repetem, não é apenas quem está no local que sofre as consequências. Uma operação com intensa troca de tiros no Rio de Janeiro serviu como exemplo de como uma situação extrema pode gerar um efeito em cadeia, despertando uma sensação de vulnerabilidade, hipervigilância e insegurança difusa até mesmo entre pessoas que não estiveram envolvidas diretamente.
Segundo o psiquiatra Dr. Ricardo Patitucci, diretor da unidade Gávea do grupo ViV Saúde Mental e Emocional, o organismo humano reage naturalmente ao perigo com ativação do sistema de alerta, preparando corpo e mente para uma situação de risco.
“Quando essa ativação se mantém por dias ou semanas, mesmo sem perigo real, é comum surgirem sintomas como insônia, irritabilidade, dificuldade de concentração e aumento da ansiedade”, complementa.
O que a ciência diz sobre isso
A literatura científica reforça que essa ativação de alerta, mesmo em pessoas que não foram vítimas diretas, pode se traduzir em adoecimento psíquico coletivo.
Um estudo com 1.686 adolescentes residentes no município do Rio de Janeiro, publicado na revista BMC Psychiatry, mostrou que jovens que moravam em regiões com maiores taxas de violência tinham odds ratios (OR) entre 2,33 e 2,99 para apresentar transtornos mentais comuns. Ou seja, uma chance cerca de duas a três vezes maior de ter quadros como ansiedade, depressão ou queixas somáticas em comparação a adolescentes de áreas com menor violência.
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Para tornar isso mais claro: odds ratio é uma medida usada em estudos epidemiológicos para comparar as chances de um desfecho (neste caso, transtornos mentais) entre dois grupos. Um OR de 2,0 significa que o grupo exposto tem o dobro das chances de apresentar o problema em relação ao grupo não exposto. Assim, um OR entre 2,33 e 2,99 indica um aumento substancial de risco.
Outra investigação longitudinal, também publicada na BMC Psychiatry, acompanhou servidores civis no Rio de Janeiro e mostrou que quem foi vítima de violência em anos sucessivos apresentou risco significativamente maior de sofrimento psicológico, com aumento do risco na ordem de aproximadamente 2,1 vezes para exposições repetidas em relação àquelas sem essa vivência.
Esses achados reforçam que ambientes com violência, direta ou indiretamente experienciada, ampliam os indicadores de adoecimento psíquico em populações urbanas.
Como reconhecer sinais de alerta
O Dr. Patitucci destaca que reconhecer alterações emocionais, cognitivas ou comportamentais é o primeiro passo para o cuidado. Mudanças persistentes no sono, irritabilidade ou sensação constante de insegurança devem chamar atenção. Ele ressalta que, mesmo sem vivência direta de violência, o simples fato de estar em vigília permanente pode levar ao desgaste emocional.
“É importante observar quando o corpo e a mente continuam em modo de alerta, mesmo após o perigo imediato ter passado”, afirma.
Estratégias práticas para restauração do equilíbrio
Algumas medidas simples e acessíveis podem ajudar a modular a resposta do organismo e a reduzir o impacto da ativação prolongada do sistema de alerta. Dentre elas:
- Retomar ou manter rotinas regulares (sono, alimentação, momentos de lazer);
- Prática de atividade física como instrumento de liberação de tensão e regulação emocional;
- Moderação da exposição a notícias ou conteúdos que alimentem o estado de hipervigilância;
- E diálogo em redes de apoio (família, amigos, comunidade) para externalizar sensações de medo, insegurança ou irritação.
O especialista afirma que essas práticas funcionam como uma espécie de redefinição do sistema de alerta, sinalizando ao corpo que o perigo imediato passou.
Quando buscar suporte profissional
O acompanhamento especializado torna‑se necessário quando os sintomas persistem ou passam a interferir de modo significativo no cotidiano. Por exemplo, quando insônia, pensamentos repetitivos, evitamento de sair ou conviver socialmente, ou uso de substâncias para tentar controlar a ansiedade surgem.
“A intervenção precoce, seja via psicoterapia ou avaliação psiquiátrica, amplia a eficácia do tratamento e reduz o risco de cronificação”, alerta Patitucci.
Além disso, em um cenário coletivo, ele destaca que o foco preventivo, por meio de estruturação de serviços, capacitação de profissionais e promoção de ambientes seguros, é tão importante quanto a atenção aos casos individuais.
Para o médico, o desafio não é apenas tratar sintomas, mas atuar em um nível de prevenção e promoção do bem‑estar psicológico. Nesse contexto, o tema da saúde mental coletiva deve-se tornar parte da agenda de cuidado urbano, reconhecendo que o impacto da violência não se limita aos que vivem o evento, mas reverbera em bairros, escolas, empresas e famílias.












