A beleza negra incomoda

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Por isso a recente coroação de duas misses pretas despertou a ira das redes sociais.

Ana Cristina Rosa*

Milla Vieira, Miss Universe São Paulo 2024 – Divulgação

Já se perguntou por que a beleza negra incomoda tanta gente?

Cresci acreditando que beleza e negritude eram predicados incompatíveis. Levei décadas para superar essa distorção cognitiva e reconhecer não só a beleza negra, mas também a minha — sem falsa modéstia.

Hoje entendo que a dificuldade está atrelada às razões históricas que impuseram aos negros uma condição de inferioridade que por muito tempo nos fez reféns da identidade branca. Não é fácil manter a autoestima elevada quando você personifica o oposto do que é cultuado socialmente como padrão desejável: pele clara, cabelo escorrido, nariz arrebitado, lábios finos, olhos coloridos.

Por isso a recente coroação de duas misses pretas despertou a ira das redes sociais. A ponto de uma delas, a Miss Grand Mato Grosso 2024, Maria Vitória Rondon, desistir do título três dias após a coroação. E da outra, a Miss Universe São Paulo 2024, Milla Vieira, receber ataques racistas e aguentar disparates como a afirmação de ter sido “eleita por cotas” — a despeito das etapas classificatórias, com pontos cumulativos, que venceu.

São Paulo concentra 37% de negros em sua demografia (IBGE). Mas, além de Milla, apenas quatro mulheres negras foram coroadas Miss Universe pelo estado em 68 anos: Karen Porfírio, Sabrina Paiva, Sílvia Novais e Joyce Aguiar, todas eleitas nos anos 2000.

Maria Vitoria Rondon, eleita Miss Mato Grosso 2024 – @maviols no Instagram

Nacionalmente, desde a criação do concurso “Miss Brasil”, há 70 anos, só três negras vestiram a coroa: a gaúcha Deise Nunes (1986), a paranaense Raíssa Santana (2016) e a piauiense Monalysa Alcântara (2017). É bom lembrar que 56% dos brasileiros se autodeclaram negros.

Por anacrônico que possa parecer (ou seja) em tempos de luta por equidade de gênero e raça, um concurso de “Miss” representa a oportunidade de viver um “conto de fadas” onde plebeias são tratadas como realeza. Mas princesas pretas, além de raras, incomodam demais. Afinal, num mundo racista, o direito à beleza também foi roubado dos negros.

*Ana Cristina Rosa – Jornalista especializada em comunicação pública e vice-presidente de gestão e parcerias da Associação Brasileira de Comunicação Pública

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