*Por Esther Cristina Pereira

O atraso escolar é uma ferida aberta na educação brasileira, e não apenas um indicador técnico. Ele representa histórias interrompidas, trajetórias prejudicadas e um futuro nacional comprometido. Pensar nesse atraso sem reconhecer sua gravidade é fechar os olhos para aquilo que já faz parte da realidade de milhões de crianças que enfrentam dificuldades no processo de ensino e aprendizagem.
No Brasil, convive-se há décadas com o desafio da defasagem idade-série. Uma criança em atraso escolar é, antes de tudo, um estudante que não teve acesso às condições necessárias para aprender no tempo adequado ao seu desenvolvimento. São milhões que seguem para as séries seguintes sem domínio mínimo de leitura, escrita ou habilidades matemáticas essenciais, e isso não é apenas um problema pedagógico, mas social.
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Parte dessa distorção nasce de um modelo que, muitas vezes, prioriza índices de aprovação, e não a aprendizagem real. É nesse ponto que surge a discussão sobre o Fundeb, fundo essencial para financiar a educação básica, mas que acaba sendo mal compreendido quando se associa, equivocadamente, aprovação automática a financiamento. A verdade é que nenhum indicador financeiro pode substituir o compromisso ético de garantir que cada criança aprenda de fato.
Avaliar estudantes de nove anos que ainda não foram alfabetizados é reconhecer que falhamos antes. A alfabetização não é um ato burocrático; é o processo que tira a criança da escuridão para a luz do conhecimento. Ela deveria acontecer entre os 6 e 7 anos, etapa crucial para que a leitura se torne ferramenta de compreensão, autonomia e cidadania. Quando esse processo não se consolida no tempo certo, forma-se um ciclo difícil de romper.
É comum ouvir que a solução estaria apenas nas políticas públicas, e elas são realmente indispensáveis. Mas a educação, para acontecer com qualidade, depende de um tripé que precisa funcionar em harmonia: família, escola e sociedade.
- Uma família presente, que valoriza a educação formal e informal;
- uma sociedade que reforça a importância da leitura, do estudo e do papel do professor;
- e uma escola comprometida com boas práticas pedagógicas e alinhamento com seus parceiros naturais.
Aprovar um estudante sem que ele tenha aprendido é mais do que um equívoco: é negar a ele a chance de trilhar um futuro digno. Não é ético, não é responsável e não contribui para construir um país mais forte.
Da mesma forma, transformar a frequência escolar, um direito básico, em moeda de troca financeira não é o caminho. Educação não deve ser recompensada como obrigação; deve ser tratada como valor.
O Brasil precisa, com urgência, reconhecer que o atraso escolar não é um problema isolado: é um alerta. Um país que não prioriza o desenvolvimento cognitivo das suas crianças compromete sua própria capacidade de avançar.
Despertar para essa realidade é o primeiro passo. O segundo é agir. Porque o futuro de uma nação começa na sala de aula, mas se sustenta no compromisso coletivo de torná-la, de fato, um lugar de aprendizagem.

*Esther Cristina Pereira é pedagoga, psicopedagoga, professora, diretora da Federação Nacional das Escolas Particulares (FENEP) e diretora educacional do Instituto Destino Brasil.













