Por Luana Ferreira de Souza*

Meu querido Milton,
Hoje recebi a notícia que ninguém queria ouvir: você foi diagnosticado com demência por corpos de Lewy. O coração apertou como se eu tivesse perdido um pedaço da minha própria juventude. Mas preciso lhe dizer, meu camarada: nem essa doença, nem o esquecimento, nem o silêncio imposto pela velhice vão apagar o que você fez por mim – e por milhões de brasileiros.
Na minha adolescência, quando o mundo parecia pesado demais, eram suas músicas que me embalavam e me salvavam. “Travessia” me ensinou que seguir em frente é possível mesmo quando tudo dói. “Maria Maria” me deu coragem para acreditar que a luta das mulheres é também força e ternura. “Coração de Estudante” me fez chorar e sonhar em cada passeata, em cada bandeira erguida. Você não foi apenas cantor da minha vida – você foi companheiro de trincheira contra a desesperança.
Agora, meu coração se revolta ao ver que você enfrenta uma doença que, no Brasil, é tratada como invisível. O sistema de saúde que serve à burguesia finge não enxergar os idosos pobres que perdem a memória nos corredores do SUS. Bituca, você teve em Augusto um filho amoroso que lhe pegou pela mão e o levou numa viagem de 4 mil km, para provar que a vida ainda pulsa mesmo quando a mente vacila. Mas quantos velhinhos da nossa periferia têm um Augusto? Quantos morrem sozinhos porque não dão mais lucro ao capital?
Essa sua viagem, Milton, não foi só um gesto de amor – foi também um ato político. Foi dizer que a velhice não é descarte, que cada história repetida merece ser ouvida de novo, que dignidade não pode ser luxo.
Eles podem diagnosticar “demência”, mas não podem arrancar da nossa memória coletiva o que você representa. Você é o homem que foi homenageado pela Portela ainda em vida, que chegou ao Grammy aos 82 anos, que nos ensinou que a música brasileira tem alma, raça e classe.
Eu lhe prometo, meu camarada: vou transformar cada nota sua em arma de resistência. Cada vez que cantar “Canção da América”, não será só nostalgia – será lembrança de que a amizade e a solidariedade são mais fortes que o esquecimento. Cada vez que entoar “Travessia”, será para denunciar que o capitalismo rouba até a velhice digna dos nossos.
Bituca, você pode esquecer. Mas nós, o povo, não vamos deixar que o capitalismo esqueça seus crimes. Sua música virou nossa bandeira. Sua voz, nossa trincheira. E, até o fim, seguiremos lutando por um mundo onde envelhecer seja direito, não castigo.
Com amor, lágrimas e luta,
**Luana Ferreira de Souza
Socióloga marxista-leninista, filha da sua música, militante da velhice digna como direito de classe.