Senhor do Bonfim: Cidade mais quilombola do Brasil tem comunidades à margem da disputa eleitoral

Share on whatsapp
Share on facebook
Share on twitter
Share on email
Share on telegram

Com 1 em cada 5 moradores que se declaram quilombolas, Senhor do Bonfim (BA) não tem representantes das comunidades na Câmara local

Por Folha de S.Paulo

O agricultor Tarcísio Rodrigues, 44, faz o manejo da plantação de aipim em Senhor do Bonfim, cidade com maior população quilombola do país – Foto: Bruno Santos/Folhapress

Senhor do Bonfim (BA) e São Paulo Foi no entorno de paineiras-brancas, árvores da caatinga apelidadas de barrigudas e conhecidas como o baobá brasileiro, que se formou a comunidade quilombola de Tijuaçu. Era ali onde os mais velhos se reuniam para discutir os problemas e ações para o território, legando a tradição para as gerações seguintes.

Tijuaçu é uma das principais comunidades de Senhor do Bonfim, cidade do norte da Bahia, que possui a maior população quilombola do país em números absolutos. Dados do Censo 2022 apontam que o município tem 74.490 habitantes, dos quais 15.999 se declararam remanescentes de quilombo.

Com 1 em cada 5 moradores quilombolas, a cidade nunca teve um prefeito ou vice vindo de comunidades tradicionais e, na última eleição, não elegeu nenhum representante quilombola entre os 15 vereadores da Câmara.

O cenário aponta para uma sub-representação das comunidades, que nas eleições deste ano trabalham para ter um alguém no Legislativo e ganhar protagonismo na definição de políticas públicas.

“Nossa luta é para alcançar um espaço e representar o nosso povo. A gente precisa conquistar de volta aquilo que nossos antepassados perderam”, diz Valmir dos Santos, 47, conhecido como Valmir Quilombola.

Candidato a vereador pelo PP, ele é coordenador-executivo do Conaq (Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas) e presidente da Associação Agropastoril Quilombola de Tijuaçu, que tem 1.200 associados.

Valmir disputou eleições em 2012 e 2016 pelo PDT e em 2020 pelo PC do B, mas não obteve êxito. Em meio a disputas políticas, rompeu com o grupo liderado pelo ex-prefeito Carlos Brasileiro (PT) e agora apoia o candidato à reeleição Laércio Junior (União Brasil).

A comunidade chegou a ter um representante entre 2017 e 2020, quando Carlos do Tijuaçu, então no PRB, foi eleito vereador. Na eleição passada, contudo, o mais votado na comunidade foi Idailton Galeguinho, na época filiado ao DEM. Autodeclarado branco, ele mora na zona urbana de Bonfim.

O poder econômico e a influência política dos candidatos são apontados como os principais obstáculos para a eleição de representantes quilombolas em Senhor do Bonfim. Em geral, moradores das comunidades são contratados para atuar como cabos eleitorais de candidatos de fora do quilombo.

Foto: Bruno Santos/Folhapress

Além de Valmir, também disputam o cargo de vereador na comunidade Aécio Reis (PSOL), Zezinho da Dodó (União Brasil) e Josias de Tijuaçu (Avante).

Tijuaçu tem cerca de 7.000 moradores espalhados por 14 comunidades, das quais 8 ficam em Senhor do Bonfim e as demais estão distribuídas entre os municípios vizinhos de Filadélfia e Antônio Gonçalves.

O território quilombola data de 1750, período em que portugueses organizavam expedições para o rio São Francisco e as minas de ouro de Jacobina, ocupando o interior da província da Bahia. Na época, Tijuaçu passou a abrigar negros escravizados fugidos de regiões próximas.

O quilombo é de origem nagô e foi fundado por uma mulher nigeriana, conhecida como Mariinha Rodrigues. Tijuaçu significa “lagarto grande” e faz referência aos animais que abundam na região.

A comunidade obteve reconhecimento pela Fundação Cultural Palmares em fevereiro de 2000. Desde então, busca a titulação das terras no Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária).

O quilombo tem uma área total de 8.500 hectares, mas só 200 são efetivamente ocupados pelos quilombolas. Parte do território é cortado por fazendas que atuam na criação de gado.

Organizados em uma associação, moradores atuam para trazer obras, serviços e oportunidades de renda para as famílias, que em sua maioria vivem da produção agrícola de mandioca, feijão e melancia.

“Apesar de não ter representação política, as mulheres e homens da comunidade lutam pelos benefícios que são de direito dos quilombolas”, afirma Camélia Miranda, professora aposentada da Uneb (Universidade do Estado da Bahia), que estudou a comunidade em sua tese de doutorado.

Tijuaçu é uma comunidade com vocação rural, mas tem um povoado com núcleo urbano. Na foto, o morador Arlindo Simas, 94 anos – Foto Bruno Santos/Folhapress

Nesta eleição, as políticas para as comunidades quilombolas aparecem de forma tímida nos programas dos dois principais candidatos, o prefeito Laércio e o professor Helder Amorim (PT).

O programa do petista promete priorizar a educação quilombola para promover a sustentabilidade dos territórios e uma cultura antirracista. O prefeito fala em potencializar a educação quilombola, implantar telemedicina e promover assistência técnica rural nas comunidades.

Na comunidade de Olaria, em Tijuaçu, quilombolas reclamam de deficiência na infraestrutura e escassez de serviços. Cobram a construção de escola e quadra de esportes para os jovens e pavimentação das ruas.

Do outro lado da rodovia, na comunidade rural Quebra Facão, moradores dizem que foram feitas obras de pavimentação e implantação de parque infantil na rua principal. Ainda assim, cobram a melhoria dos serviços.

Além de Tijuaçu, que fica na área rural, Senhor do Bonfim possui uma comunidade quilombola urbana, o Alto da Maravilha. O bairro fica na periferia da cidade e foi reconhecido em 2020 pela Fundação Palmares como um território com características quilombolas.

A professora e líder comunitária Rozilda Pereira do Nascimento, 39, classifica a comunidade como um dos maiores quilombos urbanos do Brasil e destaca características que a enquadram como quilombola, incluindo costumes afro-brasileiros como o candomblé, cantigas de roda e a atuação de rezadeiras.

Mesmo com cerca de 10 mil moradores, o bairro nunca elegeu um vereador: “Os políticos aparecem em época de eleição para barganhar votos, mas, depois, o bairro fica esquecido. Eles não trazem uma devolutiva em forma de políticas públicas”.

Nesta eleição, nomes como Marcelão Conselheiro Tutelar (PP), Edjane do Alto (Podemos) e Alan Lemos (PL), todos da comunidade, concorrem, mas Rozilda reconhece o cenário adverso diante da pulverização e diz que o ideal seria que todos se unissem.

Ao todo, 25 candidatos se declararam quilombolas em Senhor do Bonfim. Entre os três candidatos a prefeito, Rigoberto Batista (PRTB) se identifica dessa forma, mas líderes das comunidades dizem desconhecer relação dele com os territórios tradicionais. A Folha não conseguiu contato com ele.

No Brasil, 3.544 candidatos afirmam ser quilombolas, sendo que 75 disputam o cargo de prefeito, 126, de vice, e 3.342, de vereador — 49,8% se declararam pretos, 32,4% se disseram pardos e 16,4% informaram ser brancos.

Veja também