Com 1 em cada 5 moradores que se declaram quilombolas, Senhor do Bonfim (BA) não tem representantes das comunidades na Câmara local
Por Folha de S.Paulo
Senhor do Bonfim (BA) e São Paulo Foi no entorno de paineiras-brancas, árvores da caatinga apelidadas de barrigudas e conhecidas como o baobá brasileiro, que se formou a comunidade quilombola de Tijuaçu. Era ali onde os mais velhos se reuniam para discutir os problemas e ações para o território, legando a tradição para as gerações seguintes.
Tijuaçu é uma das principais comunidades de Senhor do Bonfim, cidade do norte da Bahia, que possui a maior população quilombola do país em números absolutos. Dados do Censo 2022 apontam que o município tem 74.490 habitantes, dos quais 15.999 se declararam remanescentes de quilombo.
Com 1 em cada 5 moradores quilombolas, a cidade nunca teve um prefeito ou vice vindo de comunidades tradicionais e, na última eleição, não elegeu nenhum representante quilombola entre os 15 vereadores da Câmara.
O cenário aponta para uma sub-representação das comunidades, que nas eleições deste ano trabalham para ter um alguém no Legislativo e ganhar protagonismo na definição de políticas públicas.
“Nossa luta é para alcançar um espaço e representar o nosso povo. A gente precisa conquistar de volta aquilo que nossos antepassados perderam”, diz Valmir dos Santos, 47, conhecido como Valmir Quilombola.
Candidato a vereador pelo PP, ele é coordenador-executivo do Conaq (Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas) e presidente da Associação Agropastoril Quilombola de Tijuaçu, que tem 1.200 associados.
Valmir disputou eleições em 2012 e 2016 pelo PDT e em 2020 pelo PC do B, mas não obteve êxito. Em meio a disputas políticas, rompeu com o grupo liderado pelo ex-prefeito Carlos Brasileiro (PT) e agora apoia o candidato à reeleição Laércio Junior (União Brasil).
A comunidade chegou a ter um representante entre 2017 e 2020, quando Carlos do Tijuaçu, então no PRB, foi eleito vereador. Na eleição passada, contudo, o mais votado na comunidade foi Idailton Galeguinho, na época filiado ao DEM. Autodeclarado branco, ele mora na zona urbana de Bonfim.
O poder econômico e a influência política dos candidatos são apontados como os principais obstáculos para a eleição de representantes quilombolas em Senhor do Bonfim. Em geral, moradores das comunidades são contratados para atuar como cabos eleitorais de candidatos de fora do quilombo.
Além de Valmir, também disputam o cargo de vereador na comunidade Aécio Reis (PSOL), Zezinho da Dodó (União Brasil) e Josias de Tijuaçu (Avante).
Tijuaçu tem cerca de 7.000 moradores espalhados por 14 comunidades, das quais 8 ficam em Senhor do Bonfim e as demais estão distribuídas entre os municípios vizinhos de Filadélfia e Antônio Gonçalves.
O território quilombola data de 1750, período em que portugueses organizavam expedições para o rio São Francisco e as minas de ouro de Jacobina, ocupando o interior da província da Bahia. Na época, Tijuaçu passou a abrigar negros escravizados fugidos de regiões próximas.
O quilombo é de origem nagô e foi fundado por uma mulher nigeriana, conhecida como Mariinha Rodrigues. Tijuaçu significa “lagarto grande” e faz referência aos animais que abundam na região.
A comunidade obteve reconhecimento pela Fundação Cultural Palmares em fevereiro de 2000. Desde então, busca a titulação das terras no Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária).
O quilombo tem uma área total de 8.500 hectares, mas só 200 são efetivamente ocupados pelos quilombolas. Parte do território é cortado por fazendas que atuam na criação de gado.
Organizados em uma associação, moradores atuam para trazer obras, serviços e oportunidades de renda para as famílias, que em sua maioria vivem da produção agrícola de mandioca, feijão e melancia.
“Apesar de não ter representação política, as mulheres e homens da comunidade lutam pelos benefícios que são de direito dos quilombolas”, afirma Camélia Miranda, professora aposentada da Uneb (Universidade do Estado da Bahia), que estudou a comunidade em sua tese de doutorado.
Nesta eleição, as políticas para as comunidades quilombolas aparecem de forma tímida nos programas dos dois principais candidatos, o prefeito Laércio e o professor Helder Amorim (PT).
O programa do petista promete priorizar a educação quilombola para promover a sustentabilidade dos territórios e uma cultura antirracista. O prefeito fala em potencializar a educação quilombola, implantar telemedicina e promover assistência técnica rural nas comunidades.
Na comunidade de Olaria, em Tijuaçu, quilombolas reclamam de deficiência na infraestrutura e escassez de serviços. Cobram a construção de escola e quadra de esportes para os jovens e pavimentação das ruas.
Do outro lado da rodovia, na comunidade rural Quebra Facão, moradores dizem que foram feitas obras de pavimentação e implantação de parque infantil na rua principal. Ainda assim, cobram a melhoria dos serviços.
Na zona urbana
Além de Tijuaçu, que fica na área rural, Senhor do Bonfim possui uma comunidade quilombola urbana, o Alto da Maravilha. O bairro fica na periferia da cidade e foi reconhecido em 2020 pela Fundação Palmares como um território com características quilombolas.
A professora e líder comunitária Rozilda Pereira do Nascimento, 39, classifica a comunidade como um dos maiores quilombos urbanos do Brasil e destaca características que a enquadram como quilombola, incluindo costumes afro-brasileiros como o candomblé, cantigas de roda e a atuação de rezadeiras.
Mesmo com cerca de 10 mil moradores, o bairro nunca elegeu um vereador: “Os políticos aparecem em época de eleição para barganhar votos, mas, depois, o bairro fica esquecido. Eles não trazem uma devolutiva em forma de políticas públicas”.
Nesta eleição, nomes como Marcelão Conselheiro Tutelar (PP), Edjane do Alto (Podemos) e Alan Lemos (PL), todos da comunidade, concorrem, mas Rozilda reconhece o cenário adverso diante da pulverização e diz que o ideal seria que todos se unissem.
Ao todo, 25 candidatos se declararam quilombolas em Senhor do Bonfim. Entre os três candidatos a prefeito, Rigoberto Batista (PRTB) se identifica dessa forma, mas líderes das comunidades dizem desconhecer relação dele com os territórios tradicionais. A Folha não conseguiu contato com ele.
No Brasil, 3.544 candidatos afirmam ser quilombolas, sendo que 75 disputam o cargo de prefeito, 126, de vice, e 3.342, de vereador — 49,8% se declararam pretos, 32,4% se disseram pardos e 16,4% informaram ser brancos.