Que a PEC de Bolsonaro não abra um precedente

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Decisão tardia do Supremo contra farra de gastos em ano eleitoral pode contribuir para que expediente não se repita.

Por Folha de S.Paulo

Foto aérea da Praça dos Três Poderes, em Brasília (DF) – Pedro Ladeira/Folhapress

É correta, ainda que tardia, a decisão do Supremo Tribunal Federal pela inconstitucionalidade de trechos da emenda constitucional 123, de 2022, posta em vigor naquele ano pela chamada PEC Kamikaze, com claro objetivo de beneficiar a candidatura de Jair Bolsonaro (PL) à reeleição, afinal frustrada.

Por 8 a 2, a corte derrubou trechos da PEC — em especial o que estabeleceu estado de emergência com a espúria justificativa do aumento do preço dos combustíveis por ocasião da Guerra da Ucrânia.

O texto também ampliou o Auxílio Brasil, depois denominado novamente de Bolsa Família, de R$ 400 para R$ 600 mensais, dobrou o valor do Auxílio Gás e criou vales de R$ 1.000 para caminhoneiros e de R$ 200 para taxistas.

Todos esses benefícios, de vigência limitada a 2022, tiveram custo aproximado de R$ 40 bilhões. O pagamento teve início em agosto, em desacordo com a legislação que proíbe a criação de benesses em ano de eleição de modo a manter a lisura do pleito, sem vantagens indevidas ao incumbente.

Foram vencidos os votos dos ministros André Mendonça e Nunes Marques, que defenderam a perda de objeto ou improcedência da ação de inconstitucionalidade protocolada pelo Partido Novo.

A decisão do STF não tem efeitos práticos, mas, ao considerar a ação procedente e invalidar parcialmente a emenda, a tese vencedora é oportuna, pois serve como jurisprudência contra iniciativas dessa natureza no futuro.

Um dos legados nefastos da gestão de Bolsonaro durante a pandemia foi a banalização do estado de emergência como forma de driblar a legislação eleitoral. Evidência de que nem seus autores acreditavam na medida, já prevista na lei, é a insistência numa emenda constitucional — como se estivessem na busca de maiores garantias.

Além dos potenciais impactos políticos e dos riscos para a democracia, o uso rotineiro desse artifício configura sério dano para as contas públicas, pois são deixadas de lado as salvaguardas legais e as cautelas dos órgãos de controle, ao menos durante a execução de despesas em rito acelerado.

Ademais, o exemplo federal poderia se multiplicar nos estados e municípios, ainda mais sujeitos ao perigo de manipulação. Ao frear o mecanismo, a corte contribui para evitar danos maiores, valoriza os dispositivos legais e reforça a responsabilidade fiscal.

O Congresso, infelizmente, falhou na contenção da farra orçamentária, aprovada com apoio oportunista até dos principais partidos de oposição. Espera-se que não tenha sido aberto um precedente desastroso para os próximos anos eleitorais. Que a decisão do Supremo contribua para isso.

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