Decisão tardia do Supremo contra farra de gastos em ano eleitoral pode contribuir para que expediente não se repita.
Por Folha de S.Paulo
É correta, ainda que tardia, a decisão do Supremo Tribunal Federal pela inconstitucionalidade de trechos da emenda constitucional 123, de 2022, posta em vigor naquele ano pela chamada PEC Kamikaze, com claro objetivo de beneficiar a candidatura de Jair Bolsonaro (PL) à reeleição, afinal frustrada.
Por 8 a 2, a corte derrubou trechos da PEC — em especial o que estabeleceu estado de emergência com a espúria justificativa do aumento do preço dos combustíveis por ocasião da Guerra da Ucrânia.
O texto também ampliou o Auxílio Brasil, depois denominado novamente de Bolsa Família, de R$ 400 para R$ 600 mensais, dobrou o valor do Auxílio Gás e criou vales de R$ 1.000 para caminhoneiros e de R$ 200 para taxistas.
Todos esses benefícios, de vigência limitada a 2022, tiveram custo aproximado de R$ 40 bilhões. O pagamento teve início em agosto, em desacordo com a legislação que proíbe a criação de benesses em ano de eleição de modo a manter a lisura do pleito, sem vantagens indevidas ao incumbente.
Foram vencidos os votos dos ministros André Mendonça e Nunes Marques, que defenderam a perda de objeto ou improcedência da ação de inconstitucionalidade protocolada pelo Partido Novo.
A decisão do STF não tem efeitos práticos, mas, ao considerar a ação procedente e invalidar parcialmente a emenda, a tese vencedora é oportuna, pois serve como jurisprudência contra iniciativas dessa natureza no futuro.
Um dos legados nefastos da gestão de Bolsonaro durante a pandemia foi a banalização do estado de emergência como forma de driblar a legislação eleitoral. Evidência de que nem seus autores acreditavam na medida, já prevista na lei, é a insistência numa emenda constitucional — como se estivessem na busca de maiores garantias.
Além dos potenciais impactos políticos e dos riscos para a democracia, o uso rotineiro desse artifício configura sério dano para as contas públicas, pois são deixadas de lado as salvaguardas legais e as cautelas dos órgãos de controle, ao menos durante a execução de despesas em rito acelerado.
Ademais, o exemplo federal poderia se multiplicar nos estados e municípios, ainda mais sujeitos ao perigo de manipulação. Ao frear o mecanismo, a corte contribui para evitar danos maiores, valoriza os dispositivos legais e reforça a responsabilidade fiscal.
O Congresso, infelizmente, falhou na contenção da farra orçamentária, aprovada com apoio oportunista até dos principais partidos de oposição. Espera-se que não tenha sido aberto um precedente desastroso para os próximos anos eleitorais. Que a decisão do Supremo contribua para isso.