Regulamentação avança e colégios debatem prós e contras do acesso ao aparelho dentro e fora da sala de aula
Por Folha de S.Paulo
No Brasil, cada vez mais leis estão sendo propostas para diminuir ou até proibir o uso de celulares pelas crianças nas escola. As mais estritas proíbem o aparelho não só dentro da sala, durante as aulas, mas também no recreio e na saída. E mais: crianças de até 10 anos nem poderiam estar com o celular dentro da mochila.
Mas por que essa discussão é tão importante que os adultos resolveram criar leis sobre isso?
Na verdade, essa é uma conversa que o mundo todo está tendo. Isso porque cada vez mais pesquisas mostram que passar muito tempo em telas ou redes sociais prejudica a forma como nosso cérebro funciona. Em crianças, quando o cérebro ainda nem está completamente formado, esses hábitos podem até criar problemas de aprendizado que durariam a vida inteira.
Por causa disso isso, o Brasil começou a prestar atenção nesse problema, enquanto outros países, como a Austrália, até proibem o uso de qualquer rede social por crianças e adolescentes até 16 anos.
Mas o que elas, as crianças, acham do assunto?
João Vitor Garcia de Oliveira, que tem 11 anos e estuda na escola municipal Visconde de Cairu, na zona leste de São Paulo, acha que é melhor mesmo proibir. “Tem gente que usa muito o celular em casa e quando chega na escola fica olhando o celular de cinco em cinco minutos para ver se tem notificação”, diz.
E, olha, tem gente que nem precisa estar com o celular para ficar com ele na cabeça. É o que afirma Pedro da Silva Ramos, de 8 anos, da Peak School, escola particular no bairro da Bela Vista. “As meninas combinavam às vezes de pedir a capinha emprestada para mãe ou para o pai, trazer para a escola e ficar brincando como se estivesse mexendo nele, digitando ou ligando para alguém”.
Beatriz Calixto, de 9 anos, é uma dessas meninas. “A gente ficava fingindo, e pensando em quando ia poder trazer celular, mas isso só é permitido a partir do fundamental 2”, diz.
Isadora Clemente, que tem 13 anos, já estava no fundamental 2 quando a escola passou a liberar os alunos para levar equipamentos eletrônicos em dias específicos. “As meninas do fundamental 1 ficavam o tempo todo perguntando: ‘Como é? O que vocês ficam fazendo? É legal? Vocês mexem nele durante a aula?’ Mas agora a gente não usa mais”, explica.
A Peak School agora proíbe o uso do celular, a não ser quando os professores pedem para os alunos fazerem alguma pesquisa durante a aula mesmo.
Tem alunos e alunas que não costumam mexer no celular nem mesmo quando estão em casa. Para eles, a proibição não vai fazer muita diferença. É o caso de Anna Yui Ikehara, colega de João na escola Visconde de Cairu. “Eu só uso o celular por meia hora, à noite. Depois eu faço outras coisas: leio, brinco com meu irmão bebê”, diz ela.
Já Pedro não tem limite de meia hora, mas também prefere fazer outras coisas a mexer no aparelho. “Eu fico jogando futebol com meu primo de 6 anos”, conta. Ele, que torce para o Corinthians, às vezes assiste a partidas com o pai, que acompanha o esporte pelo celular, e de vez em quando joga no seu aparelho.
Rafaela Baldini, de 11 anos também prefere brincar com os amigos na rua a ficar no celular. “A gente brincava de pega-pega, esconde-esconde, era muito legal”, conta ela, que mudou de escola e de casa há poucos meses e agora está na Visconde de Cairu.
Nem todos concordam com a proibição do celular e dizem que o principal motivo para isso é porque querem ter alguma forma de conversar com os pais.
Nicollas Pietro, 11, é um deles. “Uma vez eu estava com muita dor e a secretaria não tinha o celular da minha mãe, então eu precisei esperar ela chegar”, conta. “Acho que agente poder trazer, mas não usar, só quando precisasse ou fosse fora da sala de aula”. Kaique Libanio, seu amigo na Visconde Cairu, concorda: “Se ele tivesse o celular, podia ter ligado para a mãe”.
Mas tanto as leis quanto as escolas estudam permitir o uso do celular em casos específicos de saúde, até mesmo durante as aulas.
É o caso de Gabriel D’Aurea, da Peak que foi diagnosticado com diabetes no ano passado. Ele usa bastante o celular para falar com os pais, que também costumam ligar para saber como ele está. “Se não pudesse mais, eu ia reclamar, porque é uma questão de saúde”, diz ele, que já levou bronca por usar o celular para outras coisas, como joguinhos. “Aí os professores tiram ele de mim por um tempinho”.
A maioria dos que têm smartphone, no entanto, não podem usá-los pelo tempo que quiserem: os pais usam sistemas de monitoramento para supervisionar o uso dos filhos ou interromper o funcionamento depois de um período. “Eu só posso usar das 19h às 21h”, conta Nicollas.
Mesmo com opiniões diferentes sobre o uso na escola, as crianças no geral concordam: celular demais faz mal.
Cesar Henrique, 11, da Visconde de Cairu, já se esqueceu que a mãe o tinha chamado para comer e ficou por horas no celular. “Eu precisei esquentar a comida e ela ficou fria. Mas agora isso quase não acontece mais”, diz. Ele se preocupa com amigas que ficam só no celular e se esquecem de tudo. “Tem gente que não come, não brinca, não consegue nem existir!”
Em geral, a garotada se policia para não ficar tanto tempo online. Há até quem acabe dando bronca nos pais. “Às vezes quando falo alguma coisa para a minha mãe, ela pergunta de novo o que eu falei e eu digo: ‘Tava no celular, né?’ E aí eu preciso repetir”, diz Beatriz Calixto, da Peak School.
Parece que entre os pequenos, assim como entre os grandes, quase todo mundo sabe o que faz bem, mas às vezes acabam perdendo a mão. “Eu tenho usado muito aos finais de semana, preciso diminuir meu tempo de tela”, diz Davi Lucca, de 11 anos.