Trabalho de cientistas como a bióloga Patrícia da Rosa leva à identificação de novas populações e também de variações da árvore.
Por Globo Rural

O pau-brasil, a árvore que deu nome ao país, continua ameaçado de extinção, o que não impede que ele siga, também, sendo redescoberto. Avanços recentes nas pesquisas sobre a espécie podem abrir caminho para o Brasil construir uma nova relação com a árvore que foi um dos marcos do início da colonização portuguesa no território nacional.
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A bióloga Patrícia da Rosa vai apresentar neste ano os resultados de um levantamento que mostrará a descoberta de 12 novas populações de pau-brasil em matas nativas do Estado do Rio de Janeiro. Com essas e outras novas identificações — são, ao todo, 17 —, passará de 100 o número de populações da árvore em seu ambiente original conhecidas pelos cientistas.
O levantamento estendeu-se por dois anos e meio, período em que a bióloga fez incursões em áreas de mata nativa em toda a área de ocorrência do pau-brasil. Espécie típica da Mata Atlântica, a árvore cresce em locais próximos à costa na faixa que vai do Rio de Janeiro ao Rio Grande do Norte.
Patrícia da Rosa vai relatar a identificação de 12 populações de pau-brasil no Estado do Rio de Janeiro em um artigo científico que está em fase de revisão para publicação. Além das atividades de campo, da qual também participou o biólogo Nerivaldo Gomes Antas, o trabalho da pesquisadora incluiu “mineração” de dados e consultas a cientistas que, assim como ela, têm tentado conhecer melhor a espécie.
“O brasileiro não conhece o pau-brasil”, diz a bióloga, corresponsável por dois herbários da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). “Temos que pensar no pau-brasil como o nosso panda. São duas espécies que são bandeiras nacionais [o animal é um símbolo da China]. O pau-brasil tem que ser o nosso panda. Ninguém sabe como um panda se reproduz, mas todo mundo o conhece”. O informe sobre as pesquisas da cientista aparecem em reportagem deste mês da revista “Globo Rural”, que chega hoje às bancas e já está disponível no aplicativo Globo+ .

A lista de 17 novos registros de populações da espécie inclui, entre outros achados, os da equipe da professora Valquíria Ferreira Dutra, do Departamento de Ciências Biológicas da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Ela relatou a identificação de duas populações de uma linhagem, ou “variação”, de pau-brasil que, em matas nativas, só existe no Estado.
O feito da professora Valquíria Dutra ilustra uma curiosa contradição na relação do país com a árvore que inspirou seu nome de batismo. Ainda que o pau-brasil tenha sido o primeiro produto com potencial comercial que os portugueses identificaram após o desembarque inaugural, em 1500, até hoje os conhecimentos sobre a árvore são escassos
Foi só nos últimos 20 anos, por exemplo, que os pesquisadores passaram a trabalhar com o conhecimento de que não existe um só “tipo” de pau-brasil. Se consideradas as diferenças visíveis desses “tipos” — ou “linhagens”, como definem os cientistas —, são três as variações principais. A linhagem mais conhecida é a arruda, que ganhou esse apelido porque suas folhas, pequenas e distribuídas de maneira uniforme pelos ramos, lembram as da planta medicinal, também usada em cerimônias religiosas. A “laranja”, com folhas grandes, é típica da Bahia. Já a “café”, de folhas médias, ocorre somente em raros enclaves de Mata Atlântica do Espírito Santo. As pesquisas da professora Valquíria Ferreira Dutra identificaram duas populações dessa linhagem.
A bióloga Patrícia da Rosa conta que características bastante próprias do pau-brasil do Rio de Janeiro e do que nasce em parte do Nordeste, na faixa próxima a Pernambuco, atestam que não existe um só tipo de pau-brasil “arruda”, mas três. Essa conclusão é parte central das pesquisas da bióloga para seu doutorado na Escola Nacional de Botânica Tropical do Jardim Botânico do Rio de Janeiro. No trabalho, que ela poderá defender até o fim do ano, a pesquisadora vai propor que as iniciativas de conservação da espécie considerem as características e necessidades de cinco linhagens da árvore.
Não é pouco para uma espécie que muitos brasileiros nunca viram nem mesmo em fotografias. “Quando nós começamos o trabalho de pesquisa na década de 1980, a ideia era que o pau-brasil estava extinto. Era o que se dizia nas escolas”, conta o biólogo Haroldo de Lima, do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, orientador de Patrícia da Rosa no doutorado.
Ao lado de Luciano Paganucci de Queiroz, da Universidade Estadual de Feira de Santana, e de um grupo de cientistas estrangeiros, Lima participou do estudo que mostrou que, ao contrário do que se acreditava, a árvore brasileira representa uma linhagem evolucionária única, o que assegurou a ela o direito de ter um gênero próprio, o Paubrasilia. Foi assim que a árvore, que mais de dois séculos antes, em 1789, havia recebido do naturalista francês Jean-Baptiste Lamarck o nome científico Caesalpinia echinata, virou a Paubrasilia echinata. Isso ocorreu em 2016.
Os cientistas ainda estão descobrindo a árvore, mas já sabem quais ferramentas são eficientes para perpetuar a espécie. Criar unidades de conservação é uma delas, diz Claudia Barros, pesquisadora do Jardim Botânico do Rio.