Em suas pregações, Nerivaldo Jesus Santos chegava a mencionar a existência de ‘íncubos e súcubos’ que, segundo ele, eram espíritos malignos que surgiriam em sonhos para atormentar os fiéis
Por g1 BA

O pastor que foi preso suspeito de abusar sexualmente de fiéis agia sob o pretexto de supostos rituais espirituais de purificação, na cidade de Mata de São João, na Região Metropolitana de Salvador.
Nerivaldo Jesus Santos, foi detido em Valença, no baixo sul da Bahia, na segunda-feira (15). Ele passou por audiência de custódia nesta quarta-feira (17) e teve a prisão mantida.
O pai de uma das vítimas, que preferiu não se identificar, contou como o suspeito se aproximava das mulheres durante os encontros religiosos.
“Ele pegava, chamava ela para um canto, um lugar mais escuro. E na hora de praticar [o crime] dizia para ela: ‘Não me veja como o pastor, me veja como seu pai’”, relatou, em entrevista à TV Bahia.
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Segundo informações da Polícia Civil, as vítimas eram convencidas a manter sigilo sobre os encontros, apresentados como parte de “campanhas de libertação” conduzidas pelo suspeito, na cidade de Mata de São João, na Região Metropolitana de Salvador, na igreja Assembleia de Deus Trindade Santa.
Em suas pregações, o pastor chegava a mencionar a existência de “íncubos e súcubos” — que, segundo ele, eram espíritos malignos que surgiriam em sonhos para atormentar os fiéis —, alegando que apenas com os rituais particulares que conduzia seria possível a libertação espiritual.
Uma das vítimas falou sobre o medo de denunciar o líder religioso. “Custou para mim ‘confessar’ para alguém. E muito. Com medo, não sei o que ele ia fazer realmente, o que ia expor. Não sei o que ele ia dizer se eu falasse. E aí eu fiquei trancada para mim mesma, até que eu não aguentei”, disse a mulher, que preferiu não se identificar.
Outra mulher relatou que, após o término de um relacionamento, foi abordada pelo pastor, que a convenceu de que a separação teria ocorrido por conta de “fornicação”, ato de manter relações sexuais, e que a solução seria participar de sete dias ininterruptos de uma suposta campanha espiritual.
Ainda de acordo com a denúncia, Nerivaldo afirmava que tais rituais deveriam permanecer em segredo, alegando que apenas seriam compreendidos em “culturas africanas”.
Conforme a PC, os relatos colhidos durante a investigação revelaram um padrão de manipulação da fé, da vulnerabilidade emocional e da confiança depositada na figura de autoridade espiritual.
Em entrevista à TV Bahia, outra vítima, que também preferiu não se identificar, contou que procurou a igreja do pastor Nerivaldo porque estava tendo “sonhos perturbadores”.
“Eu sonhei que estava tendo relações sexuais com o demônio e eu me apresentei a ele [ao pastor]. Ele disse que eu tinha que fazer uma campanha durante três dias e, no primeiro e no segundo dia, fizemos o ato sexual. No terceiro não teve porque eu faltei”, falou a mulher.
A mulher contou que não desconfiou do suspeito porque ele a convenceu a fazer essas relações, que aconteciam dentro do carro do homem. Segundo ela, Nerivaldo dizia que o ato sexual era um ritual da África e as mulheres seriam curadas.
Ela contou que o abuso sexual aconteceu em 2021 e demorou a contar para outras pessoas o que tinha acontecido porque sentia medo e vergonha, por Nerivaldo ser um homem casado. A mulher relatou que só teve coragem de denunciar o pastor após a iniciativa de outra vítima.
A vítima afirmou que, apesar das denúncias, pessoas continuam frequentando a igreja e não acreditam que ele tenha cometido os abusos sexuais.
De acordo com o delegado Aldacir Ferreira, responsável pelas investigações, o crime fere a dignidade das vítimas, “porque envolve não apenas a violência sexual, mas também a manipulação psicológica e espiritual”.
Em entrevista à TV Bahia, o delegado disse que o suspeito alegou que pediu para uma vítima se masturbar e negou que teve relação sexual com as vítimas.
Conforme o delegado, pelo menos quatro vítimas procuraram a polícia.
“Duas vítimas denunciaram ele inicialmente, aonde nós fizemos um inquérito policial e remetemos para a Justiça com um pedido de prisão. Posteriormente mais duas vítimas apareceram aqui na delegacia, fizemos um novo procedimento e em um desses inquéritos foi representado pela prisão. No outro, representamos também e está sendo analisado pelo Poder Judiciário”, explicou.
O delegado ressaltou ainda a riqueza de detalhes dos depoimentos. “Elas categoricamente estão falando a verdade e narraram de forma muito precisa tudo o que ocorreu”, completou.
O pastor, que já responde a outro inquérito policial por estupro, foi localizado no município de Valença, no baixo sul da Bahia, e, após a realização dos exames legais, permanece custodiado à disposição da Justiça.
A ação contou com equipes da 1ª Delegacia Territorial (DT/Mata de São João), do Núcleo de Inteligência do Departamento de Polícia Metropolitana (Depom), da 5ª Coordenadoria de Polícia do Interior (Coorpin/Valença) e do Núcleo de Atendimento à Mulher (Neam/Valença).