*Por André Curvello
Quando, há alguns dias, chamei o encanador para trocar o chuveiro quebrado no meu banheiro, não imaginava que aquela simples visita me provocaria uma profunda reflexão sobre o racismo no Brasil. Eu havia comprado um chuveiro novo, mas o encanador, com seu jeito calmo e experiente, me olhou e disse: “Esse chuveiro antigo ainda funciona, só precisa de um reparo. Por que não o colocamos no quarto de empregada?”
A menção ao “quarto de empregada” foi como um soco no estômago. É uma expressão que usamos comumente, mas que esconde décadas de desigualdade, racismo e exploração. Afinal, o que são esses quartos senão cubículos muitas vezes sem ventilação, criados para manter as empregadas domésticas sempre disponíveis para os patrões, mesmo durante a madrugada?
Fiquei ali, parado, enquanto o encanador começava a trabalhar. Minha mente vagou por um Brasil que ainda carrega o pesado fardo do racismo. Mesmo no século 21, o legado da escravidão permanece, e os negros continuam enfrentando dificuldades para acessar os serviços públicos ou espaços privados, além de serem relegados aos piores empregos e posições na sociedade. Ainda são desrespeitados, violentados e, muitas vezes, ignorados como cidadãos.
Refleti sobre as palavras do filósofo e atual ministro dos Direitos Humanos Sílvio Almeida sobre o racismo estrutural. O racismo persiste de forma insidiosa na sociedade, atuando silenciosamente, negando aos negros um lugar de igualdade. Somos parte desse sistema racista. Reconhecer o próprio racismo é o primeiro passo para deixar de ser racista. Negar isso é perpetuar o problema.
Também aprendi sobre o conceito do “pacto da branquitude”, conforme definido por Cida Bento. Ela argumenta que os brancos, muitas vezes sem intenção explícita, contribuem para reduzir os espaços e oportunidades dos negros no mercado de trabalho e na vida em geral. São ideias desconfortáveis, que incomodam muito, mas que sei que são verdadeiras.
E como não lembrar da falácia da meritocracia, que muitos usam como pretexto para inviabilizar uma existência digna para mulheres e homens negros? A meritocracia só seria um sistema justo se todos começassem em condições iguais, o que nunca foi o caso. Os negros nunca tiveram as mesmas oportunidades que os brancos, e o legado da escravidão ainda pesa sobre eles. Portanto, as medidas de reparação são não apenas importantes, mas cruciais para reduzir as desigualdades e garantir a verdadeira cidadania a todos.
Enquanto o encanador finalizava o reparo no chuveiro, eu olhei para o passado próximo onde existiam anúncios como “apartamento com dependência de empregada” ou frases como “você paga salário mínimo para sua empregada?” Humilde, o encanador branco é mais um trabalhador que não se dá conta do racismo que corrói a nossa vida e representa uma mancha vergonhosa em nossa história.
Sempre que posso, abordo essas questões com meus filhos e é com satisfação que percebo que se tornaram pessoas menos racistas do que fui na idade deles. Ainda há muito a ser feito, porém acredito que a nova geração dá passos certeiros rumo a uma nova consciência.
O Brasil, um país tão rico em diversidade, não pode mais se dar ao luxo de ignorar o racismo que o corrompe.
Quero aprender sempre, lutar contra minhas limitações e pensamentos ainda contaminados pelo preconceito, e fazer a minha parte na construção de um Brasil mais justo, onde todos, independentemente da cor da pele, possam viver com dignidade e igualdade.
*André Curvello é Secretário de Comunicação do Estado da Bahia