‘Não quero ser exemplo para ninguém, só quero ser irmão de todos’, diz Júlio Lancellotti em 1ª missa após veto

Público faz abaixo-assinado em favor do padre e diz que ele é alvo de perseguição. Neste domingo (21), ele reuniu fiéis em capela na zona leste de São Paulo

Por Folha de S.Paulo

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padre Júlio Lancellotti celebrou uma missão na capela da Universidade São Judas, na Mooca, zona leste de São Paulo – Foto: Danilo Verpa/Folhapress

Ali não havia dúvida: padre Júlio Lancellotti é um perseguido. Havia, isso sim, eletricidade política de sobra na primeira missa conduzida pelo clérigo desde que dom Odilo Scherer o proibiu de transmitir a celebração pela internet.

“Não quero ser exemplo para ninguém, só quero ser irmão de todos vocês, especialmente irmão dos mais pobres, dos abandonados”, disse num dos momentos de maior exaltação na manhã deste domingo (21).

O padre liderou a cerimônia, agora só na modalidade presencial, na capela da Universidade São Judas, na Mooca, zona leste de São Paulo.

Há uma semana, ele anunciou que as celebrações semanais deixariam de ser exibidas ao vivo pela internet. Também afirmou que não deve continuar atualizando seus perfis nas redes. Sua última publicação no Instagram, uma discussão teológica, é de 10 de dezembro.

A decisão partiu do arcebispo da Arquidiocese de São Paulo, por motivos ainda não esclarecidos —na ocasião, Lancellotti divulgou uma nota falando em “período de recolhimento temporário”, e dom Odilo disse à Folha que o veto é “assunto de um bispo com seu padre”. A Arquidiocese determinou uma auditoria financeira na paróquia de São Miguel Arcanjo, liderada há 40 anos por Lancellotti.

Padre Júlio Lancellotti celebra missão na Mooca, zona leste de São Paulo – Foto: Danilo Verpa/Folhapress

A missa começou com o clérigo acendendo velas para o Ocidente, que chamou de “prepotente”, e para o norte, descrito como o lar dos poderosos, em contraposição ao sul global. “Quem não sabe onde é o norte é um desnorteado.”

O público lotou a capela e aplaudiu numerosas vezes. Um grupo de mulheres transgêneros levantou um cartaz onde se lia “o amor ao próximo não pode ser silenciado”. Uma delas, Rafaella Stephanny da Rocha, 29, disse estar lá para apoiar o padre “que me ajuda muito”.

A pregação de Lancellotti, conhecido por seu trabalho social, teve a voltagem social de praxe. Abordou a violência contra mulheres (“nesta cidade marcada por feminicídio, Maria é sinal de vida”) e mirou a elite. “Os lugares mais iluminados de São Paulo” são onde “não entra Jesus, lá não entram os pobres”, afirmou. “Essas luzes ofuscam e não fazem chegar Jesus.”

Evocou mais adiante um lema seu: “Força e coragem, ninguém desanime!”. Depois disse que ele próprio repetia aquelas palavras para ver se se convencia. Comungou, recebendo a hóstia, rito central na Igreja Católica.

Com flores de papel distribuídas e erguidas no ar, cortesia do movimento Flores pela Democracia, Lancellotti encerrou sua participação incensado pela plateia.

O líder religioso abriu espaço para Raul Huertas, porta-voz da pastoral da comunicação da paróquia, ler um texto em desagravo a ele. “Quando ferem o padre, ferem também nossa paróquia”, disse.

Huertas afirmou que há uma tentativa de incriminar e caluniar o clérigo que “ousa amar o próximo para além do discurso”.

“Muitos dizem que o padre é o santo, e somos suspeitos para opinar sobre isso. No entanto, podemos afirmar que o seu dia a dia é profundamente humano, pois ele faz exatamente o que Jesus nos pediu.”

Lancellotti voltou à palavra e fez propaganda de itens vendidos pelo bazar da paróquia. Um deles é uma camisa que pode ser lido como alusão ao lema bolsonarista “meu partido é o Brasil”: “Meu partido é o pão partido”.

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