Morre Jimmy Cliff, ícone do reggae, aos 81 anos

Segundo a família, cantor sofreu uma convulsão após quadro de pneumonia

Por O Globo — Rio de Janeiro

Foto: Reprodução

A família do cantor e compositor Jimmy Cliff, um dos maiores nomes da história do reggae, anunciou a morte do artista em um comunicado emocionado divulgado nesta segunda-feira. Segundo o texto assinado pela esposa, Latifa, o músico morreu aos 81 anos após sofrer uma convulsão seguida de pneumonia.

“É com profunda tristeza que compartilho que meu marido, Jimmy Cliff, partiu após uma convulsão seguida de pneumonia”, escreveu Latifa. “Agradeço à família, amigos, artistas e colegas que dividiram essa jornada com ele. Aos fãs ao redor do mundo, saibam que o apoio de vocês foi sua força durante toda a carreira. Ele valorizava profundamente o amor de cada um”.

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A esposa também expressou gratidão à equipe médica e pediu privacidade no momento de luto:

“Quero agradecer ao Dr. Couceyro e a toda a equipe médica, que foram extremamente solidários e prestativos durante este processo difícil. Jimmy, meu querido, descanse em paz. Cuidarei de cumprir todos os seus desejos. Peço que respeitem nossa privacidade neste momento.”

O comunicado, finalizado por Latifa, Lilty e Aken, informa que mais detalhes serão divulgados posteriormente.

Jimmy Cliff, conhecido mundialmente por clássicos como “The Harder They Come”, “You Can Get It If You Really Want” e “Many Rivers to Cross”, foi um dos pilares do reggae e do ska jamaicano, tendo influenciado gerações de artistas em todo o mundo.

No Brasil, país com o qual manteve uma relação afetiva e artística duradoura, a notícia ressoa com ainda mais força. Jimmy Cliff partiu aos 81 anos. O artista vivia em Kingston, mas seguia ativo, compondo e preparando novos projetos.

A morte ocorre poucos anos depois de ele ter lançado “Human touch”, seu último single, marcado por um retorno ao reggae dos anos 1960 e por reflexões sobre a solidão em tempos de pandemia. O adeus a Cliff reacende memórias de sua profunda conexão com o Brasil, onde escreveu capítulos decisivos da carreira e da vida pessoal.

A relação começou em 1968, quando desembarcou no Rio para defender a canção “Waterfall” no Festival Internacional da Canção, no Maracanãzinho. A visita o transformou. Inspirado pela energia local, começou ali a compor “Wonderful world, beautiful people”, uma de suas músicas mais conhecidas. No mesmo ano, gravou o LP “Jimmy Cliff in Brazil”, cujo encarte o mostra diante da Praia de Botafogo e inclui versões em inglês de “Andança” e “Vesti azul”.

Durante os anos 1980, Cliff esteve tantas vezes no país que virou folclore entre fãs cariocas — era comum brincar que bastava caminhar pela Zona Sul para encontrá-lo. Ele próprio ria disso, afirmando que nem sabia ao certo quanto tempo viveu no Brasil.

— Acho que passei uns cinco anos por aí — contou certa vez, divertido com rumores de que sua mulher seria brasileira. — Mas ela é marroquina.

Em 1984, reforçou a ligação carioca ao gravar, nas praias do Rio, o clipe de “We all are one”, dirigido por Tizuka Yamasaki. E ampliou os laços com a Bahia, estado onde mergulhou na história da diáspora africana no país e encontrou uma espécie de reencontro espiritual.

— Ter visto isso e ter feito parte disso é sensacional — disse, sobre sua relação com a cultura afro-brasileira.

Foi em Salvador, em 1992, que nasceu sua filha, Nabiyah Be, fruto do relacionamento com a psicóloga Sônia Gomes da Silva. Anos depois, Nabiyah estrearia no cinema em “Pantera Negra”, fenômeno mundial da Marvel, o que trouxe ao pai um orgulho visível.

A Bahia também marcou um dos episódios mais sensíveis de sua carreira. Em 1980, Cliff recebeu, momentos antes de subir ao palco ao lado de Gilberto Gil, a notícia da morte do pai. Mesmo devastado, decidiu cantar:

— Veio uma energia muito forte aquela noite. Consegui me ouvir cantando com uma força que nunca tinha sentido.

O Brasil também acompanhou a expansão de Jimmy Cliff para o cinema. Em 1972, ele protagonizou “The harder they come” (“Balada sangrenta”), filme que abriu portas internacionais para o reggae e para a cultura rastafári. Décadas depois, Cliff revisitaria o clássico ao cantar a versão brasileira “Querem meu sangue” com os Titãs no “Acústico MTV”.

Sua presença no país, no entanto, não era apenas artística. Cliff gostava do Brasil como quem encontra um segundo lar — pelas paisagens, pelas conexões históricas e, principalmente, pelas pessoas. Sempre repetia que sentia falta do Rio e da “africanidade da Bahia”.

A notícia de sua morte encerra uma história que tocou profundamente a música brasileira e inspirou gerações de artistas locais. Mas o legado segue vivo — nos discos, nos palcos que o receberam e nas lembranças espalhadas entre Rio, Bahia e tantos outros pontos do país que o acolheram como um dos seus.

Jimmy Cliff se despede, mas permanece. Em cada acorde, em cada versão de “Many rivers to cross”, em cada lembrança gravada sob o sol do Brasil. Uma voz que atravessou o mundo encontra agora seu descanso, enquanto o reggae perde mais um de seus gigantes.

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