É um erro avaliar o professor pelo desempenho dos alunos, diz especialista

Referência em avaliação docente, o chileno Jorge Manzi afirma ainda que excesso de controle no ensino retira oportunidade de aprendizado

Por Isabela Palhares/Folha de S.Paulo

Foto: Zanone Fraissat/Folhapress

Uma das maiores referências do mundo em avaliação docente, o chileno Jorge Manzi considera um erro políticas que associam a qualidade do trabalho do professor ao desempenho dos alunos.

Manzi foi um dos responsáveis pela elaboração da política de avaliação de professores do Chile, que está prestes a completar 25 anos e é considerada uma das experiências mais bem-sucedidas da área. A ela são atribuídos os resultados positivos da educação chilena na avaliação internacional Pisa, com o melhor desempenho entre os países da América Latina.

O especialista estará em São Paulo nesta terça-feira (9) para lançar um livro sobre o tema, que foi publicado com o apoio do Instituto Península e do Movimento Profissão Docente.

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Em entrevista à Folha, Manzi defendeu que o acompanhamento do trabalho dos professores é fator crucial para a melhora da qualidade do ensino, mas destacou que essa avaliação precisa levar em conta uma série de elementos, não apenas as notas dos estudantes.

“Assim como no Brasil, no Chile também custou muito para que as pessoas entendessem que as notas dos alunos não refletem só a atuação dos professores e diretores. Em qualquer lugar do mundo, mas, especialmente em países como os nossos, os resultados escolares estão altamente correlacionados à origem socioeconômica e ao capital cultural das famílias dos estudantes”, disse.

Ao ser questionado sobre como avalia a política da Prefeitura de São Paulo que determinou o afastamento de diretores de escolas com baixo desempenho no Ideb, o indicador federal de educação, Manzi disse considerar ser uma saída simplista e que não alcança as raízes do problema.

“Avaliar o professor pelas notas dos alunos é desconsiderar o contexto socioeconômico. É como comparar o trabalho de um médico em uma área com uma série de adversidades e condições que aumentam a taxa de mortalidade e compará-lo a um médico que trabalha num hospital de ponta”.

“Mesmo que o primeiro médico seja o melhor do mundo, ele vai ter uma quantidade de pacientes que morrem mais alta do que se estivesse trabalhando em um lugar favorecido. Seria injusto dizer que ele é pior médico do que o segundo olhando só para a quantidade de mortes. Podemos pensar essa mesma analogia com os professores”, explicou.

Foto: Zanone Fraissat/Folhapress

Ele destacou ainda que há professores que trabalham em lugares muito adversos e que acabam tendo um impacto mais positivo na aprendizagem dos seus estudantes do que aqueles profissionais que atuam em locais menos desafiadores. “Esse impacto positivo é difícil de medir, ele não aparece nas provas, nas avaliações externas”.

Por isso, defende que os sistemas de avaliação docente sejam baseados em múltiplas evidências. No Chile, por exemplo, quatro instrumentos compõem o processo: autoavaliação, entrevista com um educador avaliador, relatórios dos supervisores escolares e um portfólio (que inclui o envio de uma videoaula e a apresentação de projetos que são desenvolvidos).

Hoje, todos os professores da rede pública do Chile que atuam na educação básica são obrigados a fazer a avaliação nacional. Aqueles que têm um resultado considerado satisfatório ou excelente são avaliados a cada quatro anos, e quem obtém resultado básico precisa refazer a avaliação a cada dois anos. Já quem atinge o nível insatisfatório é avaliado novamente no ano seguinte.

Quem obtém duas avaliações sucessivas no nível insatisfatório é demitido da rede pública.

“No começo, houve grande resistência, porque os professores entendiam a avaliação como punição. Mas, então, o governo atrelou a avaliação a uma política de valorização docente. Esse sistema permitiu um aumento de 30% no salário mensal dos professores, eles também se sentem mais amparados e seguros por receberem feedback sobre o seu trabalho”.

Apesar dos resultados positivos da experiência chilena, Manzi diz ver com preocupação a entrada da inteligência artificial e de plataformas digitais para avaliar o trabalho docente. Para ele, esses recursos podem ser usados para um controle excessivo que acaba por “desprofissionalizar” os professores.

“O controle extremo faz com que o docente se torne apenas um reprodutor de uma sequência que é determinada por uma tecnologia. Se os alunos aprenderam ou não, ele tem que seguir para o próximo conteúdo para não ser punido. A obrigação o impede de lidar com as particularidades de sua turma”.

Manzi mais uma vez compara a situação do excesso de controle dos professores ao dos médicos. “Seria como limitar um médico a fazer diagnósticos sem poder examinar o paciente. Ele não pode usar os sintomas evidentes para dar o tratamento adequado”.

“Um médico ou um docente precisa ter autonomia para decidir o que fazer em cada situação. Precisa também de apoio e formação para saber identificar corretamente quais estratégias usar em cada situação, mas precisa se sentir seguro para atuar de forma autônoma”, explicou.

O especialista disse que é preciso ter cautela com políticas como a implementada na rede estadual de São Paulo, que prevê o uso obrigatório de plataformas educacionais e vincula esse uso até mesmo à avaliação de gestores.

“Pessoalmente, creio que isso não corresponde a um sistema profissionalizante da educação. O monitoramento e a avaliação do trabalho docente não devem ter uma lógica punitivista, mas sim formativa. O professor precisa pensar que a avaliação vai ajudá-lo no seu desenvolvimento profissional e que isso vai acontecer de forma digna para todos os envolvidos no processo, ou seja tanto docentes quanto os alunos”.

Manzi elogiou a iniciativa brasileira de instituir a Prova Nacional Docente, que vai ser aplicada pela primeira vez no fim deste ano. Apelidada de Enem dos Professores, a avaliação foi anunciada pelo Ministério da Educação dentro de um pacote de medidas para melhorar a qualidade da formação docente no país.

Diferentemente do Chile, no entanto, a prova brasileira não será obrigatória. Para o especialista, essa estratégia de implementação pode ajudar a diminuir a resistência de professores e sindicatos à avaliação e ajudá-la a se consolidar no país.

“Quando uma política é implementada com muita resistência, há grandes chances dela ser interrompida mais pra frente por um novo governo que assumir. Então, introduzir um mecanismo de avaliação de forma a ganhar confiança dos professores me parece bem positivo”.

É PhD em psicologia pela Universidade da Califórnia, em Los Angeles, e é professor titular na Escola de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Chile, onde também é diretor do Centro de Medição MIDE UC, que estuda avaliações em educação. Manzi contribuiu para o desenvolvimento, implementação e validação de vários programas educacionais nacionais no Chile. Foto: Arquivo Pessoal.

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