
Os tempos são difíceis, mas eu ainda deposito um pouco da minha fé na humanidade e, principalmente, “na rapaziada”, como diria o poeta. Certa vez, fazendo uma reportagem numa escola pública de tempo integral, uma aluna com deficiência me chamou atenção. Ela rodava todos os corredores da escola. Quando perguntada em que ano estudava, a resposta foi imediata: -Terceiro ano!
Talvez na dúvida de que tínhamos de fato escutado sua resposta, repetiu a frase. E ficou ali, encostada numa pilastra observando a mim e ao cinegrafista exercendo as nossas funções.
Durante as andanças da formanda de 32 anos pelos corredores não escutei uma piadinha sequer. Nenhum deboche por parte de ninguém. Não consegui me impedir de ficar feliz.
E mais ainda fiquei quando fomos gravar no laboratório de Biologia e lá estava ela, sendo ajudada por um colega a desmontar um boneco de corpo humano. Ela queria tirar o fígado e o estômago do lugar, mas o colega pacientemente lhe impedia e lhe delegava outras funções.
Fiquei curiosa e perguntei a diretora se lá tinham mais alunos deficientes. Ela disse que não, aquela era a única. -Ela é sempre bem tratada pelos colegas? – indaguei. -Sempre. Todos a respeitam muito! – explicou a diretora.
Pode parecer bobagem. Mas em tempos onde o bullying impera em instituições de ensino públicas e particulares, a história daquela jovem e daquela escola me tocaram profundamente. É num ambiente assim que quero que o meu irmão autista cresça e se desenvolva.
E como se já não bastasse mais tanta esperança, quando estávamos encerrando a entrevista na secretaria da escola, um rapaz que aparentava ter seus 16 anos chegou e perguntou: -Dona “fulana”, aí tem saco plastico? É pra colocar gelo na mão do meu amigo que se machucou.
Voltei pra redação não só com uma reportagem pra fazer. Voltei com muita esperança no coração. Por favor, garotada. Sejam melhores do que a minha geração. Se amem. Se amem MUITO e cada vez MAIS.
Mirielle Cajuhy é jornalista formada pela Uneb, cantora, compositora e poetisa.