Direita não precisa mais de Bolsonaro

Pá de cal foi jogada pelo próprio Jair, que derreteu sua tornozeleira e seu capital político

*Por Camila Rocha/Folha de S.Paulo

Jair Bolsonaro derreteu sua tornozeleira e seu capital político. Se antes era a direita que precisava do bolsonarismo, agora o cenário mudou.

Há meses o bolsonarismo estava em crise. O número de apoiadores em protestos de rua declinou, assim como seu impacto nas redes sociais. Para piorar, o fim do tarifaço para produtos agrícolas enterrou de vez a estratégia de Eduardo Bolsonaro para salvar o pai.

O fracasso retumbante de Eduardo fez com que passasse o bastão para o irmão mais velho, Flávio Bolsonaro. Porém, após o fiasco de uma caminhada promovida em outubro, na qual compareceram 2.000 pessoas, Flávio tentou reacender o ânimo dos apoiadores, mas apenas acelerou o enterro político de sua família.

Ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) – Foto: Sergio Lima

A pá de cal foi jogada pelo próprio Jair. O vídeo que mostra o ex-presidente admitindo ter usado um ferro de solda para danificar sua tornozeleira eletrônica foi recebido com incredulidade por vários apoiadores que se manifestaram no YouTube.

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A dificuldade em confrontar a realidade humilhante foi tamanha que houve quem afirmasse que o vídeo teria sido produzido por inteligência artificial. Outros apontaram que o vídeo seria falso porque o rosto de Jair não aparece, apenas sua voz. E, finalmente, houve quem preferisse, assim como a ex-primeira-dama, se resignar e apelar a Deus.

Bolsonaro não conseguiu se livrar da tornozeleira, mas o episódio certamente livrou a direita da dependência em relação ao ex-presidente e sua família.

Uma pesquisa da Quaest divulgada no dia 15 de novembro já indicava que a direita não-bolsonarista (22%) reúne quase o dobro dos eleitores bolsonaristas (13%). Além disso, 31% dos eleitores, chamados de independentes por não se alinharem nem à esquerda nem à direita, rejeitam intensamente candidatos da família Bolsonaro: 70% não votariam em Michelle, 73% não votariam em Jair e 80% não votariam em Eduardo.

Segundo Felipe Nunes, diretor da Quaest, este segmento será decisivo para as eleições presidenciais de 2026. Considerando o nível de perplexidade e negação frente à tornozeleira queimada entre os próprios apoiadores de Jair, é de se imaginar o impacto negativo do episódio entre a direita não-bolsonarista e os eleitores independentes.

No entanto, ainda que tenham se livrado de Bolsonaro, candidaturas alternativas de direita ainda têm um longo caminho a percorrer. E, no caminho, há uma grande pedra chamada Polícia Federal.

A pedido de Tarcísio de Freitas, seu secretário de (in)segurança pública, Guilherme Derrite, voltou ao Congresso com o objetivo de diminuir o poder de investigação da Polícia Federal. Por “coincidência”, isso ocorreu ao mesmo tempo em que a PF começou a investigar possíveis ligações entre Daniel Vorcaro, dono do Banco Master, o PCC, e os chefes da União Progressista (UP), federação partidária mais poderosa do Congresso: Ciro Nogueira (PP) e Antônio Rueda (União Brasil).

Hoje o apoio da federação, que conta com políticos como o atual presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil), e o ex-presidente da Câmara Arthur Lira (PP), ainda vem sendo disputado pela direita. No entanto, caso as investigações da PF resultem em avanços importantes, a UP pode se tornar um ativo tão tóxico como os do Banco Master.

*Camila Rocha
Doutora em ciência política pela USP e pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento

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