Cuidados paliativos não são sobre morrer, mas sim sobre viver bem até o fim

FONTE: Vivian Fiorio/Máquina

Com mais de 1 milhão de brasileiros precisando de cuidados paliativos por ano, especialista destaca o papel da saúde mental na reconstrução do sentido da vida

Blog do Eloilton Cajuhy – BEC

Foto: Freepik

Os cuidados paliativos ainda são, muitas vezes, associados à morte. Mas, na verdade, essa área da medicina tem como foco principal a qualidade de vida, promovendo o alívio do sofrimento físico e emocional de pacientes com doenças graves e de seus familiares.

De acordo com a psiquiatra Paula Correa de Araújo, do grupo ViV Saúde Mental e Emocional, a dimensão da saúde mental é essencial para garantir um processo de cuidado mais humano, digno e acolhedor.

“Cuidar da saúde mental é cuidar da vida. Nos cuidados paliativos, isso significa reconhecer o sofrimento como legítimo e oferecer recursos para que o paciente e sua família possam atravessar esse momento com sentido e equilíbrio”, explica.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 56,8 milhões de pessoas em todo o mundo necessitam de cuidados paliativos a cada ano, e aproximadamente 78% delas vivem em países de baixa e média renda.

>> Clique aqui e entre no canal do BEC no WhatsApp

No Brasil, estima-se que cerca de 1 milhão de pessoas precisem desse tipo de assistência anualmente, segundo levantamento da Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP). Ainda assim, menos de 15% têm acesso efetivo a esses serviços, um dado que reforça a urgência de ampliar a discussão sobre o tema, inclusive no campo emocional.

Paula destaca que a psiquiatria atua lado a lado com os demais profissionais da equipe multiprofissional, oferecendo suporte diante de ansiedade, depressão, desesperança, medo da dor e da perda de autonomia, sentimentos muito presentes entre pacientes em tratamento.

“Não se trata apenas de tratar sintomas psiquiátricos, mas de validar a dor emocional e ajudar o indivíduo a reencontrar propósito, mesmo diante da finitude”, salienta.

Para ela, entre as abordagens que mais contribuem para esse processo estão terapias como a Meaning-Centered Psychotherapy, baseada na Logoterapia de Viktor Frankl, que ajuda o paciente a reconstruir significado diante da doença; a Dignity Therapy, que estimula reflexões sobre legado e identidade; e a CALM (Managing Cancer and Living Meaningfully), voltada para o enfrentamento do sofrimento emocional em pacientes com câncer avançado.

Pesquisas publicadas em revistas científicas como o Journal of Clinical Oncology e o Palliative Medicine apontam que essas intervenções reduzem significativamente sintomas depressivos e ansiosos, melhoram o bem-estar espiritual e ampliam a percepção de qualidade de vida.

A saúde mental também é essencial para o acolhimento de familiares, que vivenciam um luto antecipado e frequentemente lidam com sobrecarga emocional e medo da perda. A psiquiatria, segundo a especialista, pode oferecer psicoeducação, grupos de apoio e psicoterapia breve, reduzindo o risco de luto patológico e de adoecimento mental após o falecimento do ente querido.

“Quando acolhemos o sofrimento da família, também estamos cuidando do paciente, porque isso cria um ambiente emocionalmente mais saudável, favorecendo o vínculo e a serenidade de todos os envolvidos”, explica Paula.

Outro ponto importante é o momento de início do acompanhamento psiquiátrico. “A presença do psiquiatra deve ser precoce. Esperar as fases terminais priva o paciente de recursos importantes para viver com mais autonomia e serenidade”, reforça a médica.

A introdução desse suporte desde o diagnóstico permite identificar fatores de risco, fortalecer estratégias de enfrentamento e promover uma comunicação mais empática entre paciente, família e equipe de saúde.

Para reforçar esse direcionamento da especialista da ViV, um estudo da revista The Lancet Global Health (2022) destaca que a integração precoce dos cuidados paliativos, incluindo o suporte psicológico, pode aumentar em até 30% os indicadores de qualidade de vida e reduzir o sofrimento emocional em mais de 40% dos pacientes com doenças graves.

Para Paula, compreender a essência dos cuidados paliativos é resgatar o verdadeiro sentido do cuidar. “Não se trata de desistir do tratamento, mas de continuar cuidando de outra forma, uma forma que reafirma a vida, mesmo quando ela se aproxima do fim. Porque viver com dignidade, conforto e saúde mental é o que realmente importa”, finaliza.

Veja também