Mais de 2.400 animais morreram, barragens se romperam e a força da água destruiu matas ciliares, áreas de pastagem e parte da fauna silvestre, comprometendo o modo de vida das comunidades
Blog do Eloilton Cajuhy – BEC

No último dia 20 de outubro, uma forte chuva, com volume estimado em mais de 200 mm e duração de apenas três horas e quarenta minutos, causou grandes prejuízos nas comunidades de Fundo de Pasto dos municípios de Monte Santo, Andorinha e Uauá. A medição foi realizada pelos próprios moradores, que utilizam pluviômetros com capacidade máxima de 180 mm — os quais chegaram a transbordar, indicando que o volume de chuva ultrapassou esse limite. A enxurrada destruiu barragens, estradas e pontes, e causou a morte de milhares de animais, o que afetou diretamente o modo de vida das comunidades e a subsistência das famílias da região.
“Infelizmente, parte das matas ciliares da maioria desses rios que passaram está toda no chão, toda deitada! Árvores centenárias de raiz para cima. A fauna também foi afetada — a gente vê bastante animais silvestres que foram arrastados pela enxurrada. Pessoas relataram que, ao andar pela Caatinga procurando os animais, viram preás, mocós… Então isso é um prejuízo, um impacto ambiental muito grande para a nossa região”, relatou Elisandra Simões Ribeiro, vice-presidente da Associação Comunitária Agropastoril de Paredão.
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As comunidades de Fundo de Pasto têm como uma de suas principais características a criação extensiva de caprinos e ovinos soltos no território coletivo. Além disso, nelas é possível observar áreas de Caatinga preservadas, com a flora e a fauna ainda presentes. Essa forma tradicional de viver no sertão expressa um modo de vida de grande valor cultural, ambiental e econômico para o semiárido baiano. Quando uma eventualidade climática como esta acontece, não se perdem apenas bens materiais, mas também parte da flora, da fauna e da própria história e identidade de um povo que, há gerações, resiste e vive em harmonia com o seu território.

Existe uma estimativa detalhada das perdas por comunidade, apurada pelas lideranças comunitárias das associações da região onde já foram contabilizados 2.489 animais mortos, entre caprinos, ovinos, bovinos e aves. Contudo, esse número pode aumentar, já que muitos agricultores ainda procuram seus rebanhos desaparecidos nas áreas de Fundo de Pasto. O forte odor causado pela decomposição dos animais tem dificultado as buscas e o acesso a algumas regiões, como relata o senhor Nivaldo Alves de Lima, presidente da associação da comunidade de Praça:
“Nossos prejuízos foram muitos, incalculáveis. A gente contou; outros podem nem contar, porque tem acesso que você não pode ir. Na beira do rio, ninguém aguenta o mau cheiro… Eu contei até 17 cabeças, depois não consegui ir atrás mais. Estava com 8 carneiros de raça, que iam para exposição, iam ser registrados — morreram todos!”
Além dos animais de criação, seis barragens de agricultores, que garantiam a água dos rebanhos, também foram rompidas. Em Paredão do Lou, o rompimento atingiu a barragem construída em 2001 pela CAR (Companhia de Desenvolvimento e Ação Regional). A estrutura era essencial para a segurança hídrica da região:
“A barragem comunitária da nossa comunidade, construída com 1.000 horas [de trabalho], fica numa área de Fundo de Pasto e toda criação que pasteja naquela região era beneficiada. É um prejuízo enorme pra gente, que já vive no sertão com muita dificuldade de armazenamento de água, perder uma barragem desse porte”, explica Elisandra Simões Ribeiro.

Também foram registrados casos de residências destruídas e danificadas, mais de dez quilômetros (10 km) de cercas comprometidas, seis barreiros individuais rompidos, além de erosão no solo, pontes desabadas e estradas intrafegáveis. Apesar da dimensão dos prejuízos materiais, felizmente não houve registro de feridos.
“Infelizmente, nosso amigo perdeu sua casa. Não pudemos ajudá-lo na noite, ficamos sem notícias, foi um apuro muito grande… A gente, que é comunidade tradicional de Fundo de Pasto, que vive e protege a Caatinga, quando se depara com essa situação da noite para o dia, é um choque. Ainda não temos noção do prejuízo social, ambiental e econômico que aconteceu”, relata Elisandra Simões Ribeiro.
As comunidades contam com a assessoria da Central das Comunidades Tradicionais da Regional Bonfim (CAFFP), da Associação Regional dos Grupos Solidários de Geração de Renda (Aresol), da Comissão Pastoral da Terra (CPT), da Igreja Católica e de outras instituições parceiras.
Porém, diante da gravidade da situação, as comunidades de Fundo de Pasto do norte de Monte Santo clamam por mais apoio emergencial para reconstrução de pontes e estradas vicinais, recuperação da barragem de Paredão do Lou, reconstrução de moradias e reposição dos rebanhos perdidos.

Também reivindicam apoio técnico e financeiro para reconstrução das aguadas, distribuição de cestas básicas às famílias atingidas, fornecimento de materiais para recomposição de cercas (como arames e estacas) e articulação com o Banco do Brasil e o Banco do Nordeste para renegociação ou anistia de dívidas do PRONAF, além da abertura de novos créditos.
Conforme documentos elaborados pelas comunidades e encaminhados ao poder público, elas pedem a atuação urgente dos órgãos competentes do Estado — como a Secretaria de Promoção da Igualdade Racial, a Secretaria de Desenvolvimento Rural (SDR), a Vigilância Sanitária e a Secretaria de Desenvolvimento Social (SEADES) — especialmente com o envio de cestas básicas e outras ações emergenciais.
Também é destacada a necessidade de atuação imediata da Prefeitura de Monte Santo, que enfrenta limitações para decretar situação de emergência, já que os danos se concentram em uma parte do território e isso poderia afetar a chegada de outras políticas públicas para o restante da região. Ainda assim, as comunidades reforçam que não podem esperar apenas por um decreto, pois as necessidades são urgentes e exigem resposta rápida e solidária.
Em médio prazo, as comunidades defendem a implementação de ações de recuperação ambiental das matas ciliares, o fortalecimento da organização comunitária para a gestão de riscos climáticos e a criação de um fundo emergencial voltado às comunidades tradicionais.
Mais do que ajuda material, é preciso um compromisso coletivo e institucional com a reconstrução da vida no território — com o cuidado, o respeito e a solidariedade que sempre marcaram a história dessas comunidades que resistem e seguem firmes no coração do Semiárido.
Estimativa detalhada de perdas por comunidades:
- Paredão do Lou: rompimento da barragem construída pela CAR em 2001; perda de 764 caprinos e ovinos, 1 bovino e 3 aves;
- Lagedo: 375 caprinos e ovinos;
- Praça: 452 caprinos e ovinos e 11 aves;
- Santana: 225 caprinos e ovinos e 2 bovinos;
- São Gonçalo: 146 caprinos e ovinos;
- Barra: 30 caprinos e ovinos;
- Poço da Caraíba: 6 caprinos e ovinos;
- Poço do Boi: 23 caprinos e ovinos;
- Santo Antônio do Rio: 7 caprinos e ovinos;
- Caraibinha: 200 caprinos e ovinos;
- Flores: 237 caprinos e ovinos e 2 bovinos.
*Fotos cedidas pelas comunidades












