Comissão do Senado aprova projeto que altera Lei da Ficha Limpa e reduz prazo de inelegibilidade de políticos

Período continuaria sendo de oito anos, mas começaria a ser contado a partir da condenação, e não mais após o cumprimento da pena.

Por Lauriberto Pompeu/O Globo — Brasília

O senador Davi Alcolumbre comanda reunião da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) — Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado

A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou nesta quarta-feira (21) um projeto de lei que reduz o prazo de inelegibilidade definido pela Lei da Ficha Limpa. O texto é um dos projetos que faz parte da chamada “minirreforma eleitoral” e é relatado pelo senador Weverton Rocha (PDT-MA), que deu parecer favorável. A votação aconteceu de forma simbólica, sem registro nominal dos votantes. Senadores que vão do PL ao PT discursaram favoráveis ao texto durante a reunião da CCJ.

De acordo com a iniciativa, o período de inelegibilidade continua sendo de oito anos, mas começa a ser contado a partir da condenação, e não mais após o cumprimento da pena, o que diminuiria o período longe das urnas.

Na mesma sessão, a CCJ aprovou um requerimento de urgência para fazer com que o texto seja votado diretamente em plenário. A solicitação ainda precisa ser analisada pelo Senado. Caso não haja mudanças no texto na fase de análise pelo plenário, a iniciativa passa para a sanção ou veto presidencial.

O relator manteve o texto aprovado pela Câmara no ano passado e só fez ajustes de redação, sem alterar o mérito. A análise acontece uma semana depois de o Senado aprovar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Anistia.

“A legislação de vigência enseja, portanto, períodos diferentes de inelegibilidade, a depender do momento da perda do mandato. Pode ocorrer de um parlamentar cassado pela respectiva Casa Legislativa tornar-se por isso inelegível durante o prazo de 8 anos ou até mesmo por 15 anos, a depender do caso”, justifica Weverton em seu relatório.

  • O projeto reduz a duração de inelegibilidade ao antecipar a contagem. Esse prazo continua sendo de oito anos, mas passaria a ser contado a partir do momento da condenação e não depois do cumprimento da pena.
  • A iniciativa também estabelece um teto de 12 anos para o período de inelegibilidade.
  • A iniciativa ainda determina que é preciso comprovar o dolo quando o político comete atos de improbidade.
  • O texto também amplia de quatro para seis meses o período de desincompatibilização de candidatos que são integrantes do Ministério Público, da Defensoria Pública, militares e policiais.

Como mostrou O GLOBO, as mudanças têm o potencial de beneficiar o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, que é pai da deputada Dani Cunha (União-RJ), autora do projeto. Também seriam afetados os ex-governadores Anthony Garotinho (RJ), José Roberto Arruda (DF) e Paulo Maluf (SP), de acordo com advogados eleitorais e especialistas da área consultados. No caso de Garotinho, ele é candidato a vereador nas eleições deste ano e já teve a elegibilidade de volta após decisão liminar do ministro do Supremo Tribunal Federal Cristiano Zanin.

Hoje, políticos enquadrados por crimes comuns ficam inelegíveis durante o cumprimento da pena e por mais oito anos seguintes. Além de determinar a antecipação da contagem desse prazo, o projeto limita a 12 anos o prazo máximo que a sanção pode ser aplicada, mesmo nos casos em que houver mais de uma condenação.

O projeto é criticado por setores da sociedade. A Associação Brasileira de Eleitoralistas, que tem entre seus membros o advogado Marlon Reis, um dos idealizadores da Lei da Ficha Limpa, divulgou nota em que avalia que o texto “atenta contra a soberania popular, contraria o interesse público e serve apenas para dar livre acesso à candidatura a cargos eletivos a indivíduos que deveriam estar fora do processo político”.

“A inelegibilidade por oito anos incidiria apenas após a condenação por órgão colegiado. Dessa forma, o projeto reduz drasticamente o prazo de inelegibilidade de condenados por crimes gravíssimos – como homicídios, estupros, tráfico de drogas, organização criminosa, entre outros crimes hediondos. Em alguns casos, indivíduos condenados por tais crimes nem mesmo ficariam inelegíveis, pois ao contar o prazo de 8 anos da condenação por órgão colegiado, e não do término da pena, esses indivíduos, ao término da pena, já teriam cumprido o prazo de inelegibilidade”, se queixa a associação.

O relator respondeu as críticas logo após o projeto ser aprovado pela CCJ.

– Esse projeto que acabou de ser aprovado corrige uma pequena distorção de um projeto que nós aprovamos chamado Lei da Ficha Limpa lá atrás. Inclusive Marlon Reis, que é ex-juiz e hoje está na advocacia, lutou, foi o protagonista desse projeto e todos estivemos aqui apoiando ele (Lei da Ficha Limpa) e somos submetidos a ele, tanto que para estar aqui no mandato, para ser candidato, tem que ser Ficha Limpa – disse o pedetista.

– Às vezes por um erro técnico, da administração, porque quem paga o erro não é contador, não é o advogado, é o ex-prefeito, é o ex-gestor, ele, muita das vezes por uma prestação de contas errada, é condenado em órgão colegiado simplesmente à morte cívica e política dele e isso não dá. É hipocrisia falar em pena perpétua para quem cometeu qualquer tipo de erro no Brasil – continuou Weverton.

A fala do relator foi elogiada pelo presidente da CCJ, senador Davi Alcolumbre (União-AP).

– Não temos poucos casos concretos no Brasil em que a pessoa fica 10, 20, 30 anos condenada sem poder exercer a atividade parlamentar, a atividade política e isso talvez esteja tirando da política muitos homens e mulheres que gostariam de colaborar.

O senador Alessandro Vieira (MDB-SE) apresentou emendas que reverteriam o teor principal do texto. O emedebista fez sugestões para manter a forma atual de aplicar o prazo de inelegibilidade e também para retirar o trecho que define o teto de 12 anos para a punição. As ideias, no entanto, não foram acatadas pelo relator.

– A fixação de critérios mais rígidos para que candidatos possam disputar uma eleição representou ganhos incontáveis para a sociedade brasileira, visto que se garantiu a moralidade para o exercício da capacidade eleitoral passiva e do mandato – afirmou Vieira.

A iniciativa também aumenta de quatro para seis meses antes das eleições o período de desincompatibilização, ou seja, o afastamento do cargo, para candidatos que sejam “membros do Ministério Público, da Defensoria Pública, das autoridades policiais, civis e militares e daqueles que tenham ocupado cargo ou função de direção, administração ou representação em entidades representativas de classe”.

O senador Marcelo Castro (MDB-PI) apresentou uma emenda para definir o prazo de quatro anos para a desincompatibilização de candidatos que sejam “magistrados, membros do Ministério Público, servidores integrantes das guardas municipais, das Polícias Federal, Rodoviária Federal e Ferroviária Federal e das Polícias Civis”.

No entanto, a sugestão foi rejeitada por Weverton, que justificou que qualquer mudança no mérito atrasaria a aprovação do texto, pois obrigaria uma nova votação pela Câmara.

“O acatamento de uma emenda de mérito implicaria, por força de disposição constitucional expressa (parágrafo único do art. 65, CF), o reexame da presente matéria pela Câmara dos Deputados, dilatando de modo inoportuno o período de sua avaliação pelo Congresso Nacional”.

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