Numa única imagem, milhares de mulheres agredidas.
Por Mariliz Pereira Jorge*
Uma mulher mexe no celular enquanto desembarca do elevador. Ao sair, um completo desconhecido passa a mão em suas nádegas. Covardemente, ele se refugia no canto, enquanto procura o botão para que a porta se feche. Para quem não entendeu ainda o que é cultura do estupro, temos uma imagem.
O episódio aconteceu num edifício comercial de Fortaleza. Câmeras de segurança registraram o ataque e a sequência em que o sujeito corre pelo estacionamento e foge de carro. Ele sabe que está errado, ele tem consciência de que cometeu uma agressão. Por que age daquela forma? Porque é um comportamento disseminado, um fenômeno social enraizado que naturalizou a cultura do estupro.
Tecnicamente, o que aconteceu é importunação sexual, um crime mais grave e com pena maior do que o assédio. A lei é clara: praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia. É o que mostra a imagem, uma sentença de falência coletiva da sociedade.
Homens, respondam, por favor: qual é a graça? Qual é o barato? Qual é o tesão de passar a mão numa mulher sem o seu consentimento? É demonstração de poder? Humilhação? É força do hábito?
Entendam, cultura do estupro não é apenas a agressão sexual. Cultura do estupro é puxar pela cintura, pelo cabelo, pela roupa. É ignorar “não”. É passada de mão na bunda, encoxada, lambida, no meio da multidão, numa rua escura, num bar iluminado, na porta do elevador. É aquela forçadinha da perna para o lado, a roçada ao lado do peito, a mão dentro da calça, quando nada disso é estimulado. É tolerar, banalizar, minimizar a violência de gênero.
Numa única imagem, milhares de mulheres agredidas. A vítima do elevador e a esposa e a filha do sujeito – sim, é casado e pai de menina, que vão conviver com o episódio para sempre, todas aquelas que saem de casa diariamente sem saber se voltarão sem serem agredidas.
*Mariliz Pereira Jorge – Jornalista e roteirista de TV
Artigo publicado na Folha de S.Paulo