Antes mesmo de passar pelo Senado, extensão das regras já é considerada por deputados de Rio, Goiás, Bahia e Mato Grosso
Por Rafaela Gama/O Globo — Rio de Janeiro

Após a aprovação da PEC da Blindagem na Câmara dos Deputados na terça-feira, representantes de assembleias de diferentes regiões do país já admitem a possibilidade de levar a discussão para a esfera estadual.
A PEC, que agora vai à análise do Senado, prevê que processos criminais contra parlamentares só podem ser abertos pelo Supremo Tribunal Federal (STF) se o próprio Legislativo autorizar.
Para especialistas, se houver a replicagem, as novas regras poderiam alcançar deputados estaduais alvos de ações tanto no Supremo quanto nos Tribunais de Justiça estaduais.
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Como mostrou o GLOBO de quinta-feira, o tema já é discutido nos bastidores da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). Parlamentares fluminenses apostam num entendimento de que uma decisão do Supremo de 2019 lhes garantiria as mesmas prerrogativas de que gozam os seus pares em Brasília.
— O tema está pacificado e começaria a valer automaticamente. Há, sim, o apoio de parte dos deputados pela mudança — disse um dos parlamentares ouvidos pela reportagem.
Na Alerj, está na mira o deputado Marcos Muller (União), acusado de participar de um esquema de rachadinha em seu gabinete, e alvo de um pedido de afastamento determinado pelo Tribunal de Justiça do Rio. Procurado, o parlamentar não respondeu aos contatos.
Em outros estados, não há crença na aplicação automática; a avaliação é que o debate deverá ser feito nos Legislativos estaduais. Em Goiás, por exemplo, o presidente da Casa, Bruno Peixoto (União), já admite discutir as novas regras com seus pares:
— Estamos aguardando a discussão das votações no Congresso.
O tema foi levado na quinta-feira ao plenário da Casa goiana pelo deputado estadual Amauri Ribeiro (União), que defendeu a aprovação do texto pela Câmara Federal. Ao criticar a postura contrária de parlamentares de esquerda à proposta, afirmou que a PEC “é justamente para deixar que deputados de direita possam trabalhar sem ser perseguidos pelo Supremo, que faz política nessa nação”. Ao GLOBO, contudo, Ribeiro afirmou que apoia a proposta apenas no âmbito federal, negando a defesa da expansão das prerrogativas para o seu estado.
A incorporação das regras, no entanto, é vista como “inevitável” pelo deputado estadual Doutor Sergio Castro (PL-BA), que defende a discussão da proposta na Bahia, apesar de divergir sobre trechos que preveem a expansão do foro privilegiado para os presidentes dos partidos. Em 2023, o STF já fixou a tese de que imunidade garantida a parlamentares federais é aplicada aos estaduais.
— Os estados, como a Bahia, vão querer muito se antecipar para que não venha uma intervenção lá de cima, até mesmo para equilibrar a atuação do Judiciário — disse. — Embora eu tenha pontuais discordâncias de algumas questões dentro do texto, nesse momento ele vem como um instrumento para resguardar o sistema de freios e contrapesos entre os Poderes.
Ajustes também foram defendidos pelo deputado estadual mato-grossense Eduardo Botelho (União), que defendeu a ampliação das prerrogativas, desde que exclua alguns tipos criminais.
— Deputado não pode trabalhar com faca no pescoço. Não pode trabalhar com medo de sofrer retaliações de outros Poderes. Então, ele tem que ter essa prerrogativa. Agora, precisa fazer o pente fino e tirar crimes como homicídio, estupro, pedofilia, corrupção e outros — disse em coletiva de imprensa na ALMT na quarta-feira.
No Paraná, o presidente da Alep, Alexandre Curi (PSD), disse, por meio de nota encaminhada ao GLOBO, que tem “outras pautas prioritárias no momento e não vê necessidade de discutir uma proposta semelhante à PEC da Blindagem”. Mas ao final do comunicado, afirmou que, caso haja repercussão em outros Legislativos estaduais, após a eventual promulgação PEC, “cumprirá a normativa vigente”, ou seja, acompanhará os demais legislativos.
Em São Paulo, há perspectiva de que a proposta possa beneficiar nomes como o deputado estadual Gil Diniz (PL), conhecido nas redes sociais como Carteiro Reaça. O parlamentar é um dos investigados no inquérito das milícias digitais, sob a relatoria do ministro Alexandre de Moraes, do STF.
— Caso venha a ser aprovada (a PEC ainda precisa passar pelo Senado), não há nenhum impedimento para que as Assembleias estaduais façam o mesmo, e os deputados estaduais, em tese, poderiam, replicando aquilo que ocorre na esfera nacional, passar a ter uma blindagem extra na responsabilidade criminal — explica o advogado Wilton Gomes, mestre e doutor em Direito Público pela USP.
Casos como o de Gil Diniz passariam, então, a exigir a autorização dos colegas da Alesp antes de serem recebidos pelo Judiciário, mediante voto secreto. Na base aliada do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), já há quem se solidarize com o deputado diante de um suposto “ativismo judicial” do ministro. Diniz não atendeu aos pedidos de entrevista.