Morre o publicitário Washington Olivetto, criador do garoto Bombril e da Democracia Corintiana, aos 73

FONTE: Folha de S.Paulo

Premiado, foi um dos maiores nomes da categoria, com criações como ‘Casal Unibanco’, ‘Cachorrinho da Cofap’ e ‘Meu Primeiro Sutiã’, da Valisère

Blog do Eloilton Cajuhy

O publicitário Washington Olivetto – Adriano Vizoni/Adriano Vizoni/Folhapress

Washington Olivetto era o maior garoto-propaganda de si mesmo. E poderia haver alguém melhor? O publicitário, que morreu neste domingo (13), às 17h15, aos 73 anos, seduzia (“Publicidade é sedução”, costumava dizer), provocava e alegrava o Brasil com seu trabalho e sentia um prazer especial em falar sobre sua vida, sua história e seus feitos — que não são poucos.

O publicitário ficou quase cinco meses internado no hospital Copa Star, no Rio, por complicações pulmonares. Morreu de falência múltipla de órgãos. Até a conclusão deste texto não havia informações sobre velório e enterro

“Washington Olivetto não é apenas um ícone da publicidade em todo o mundo, mas uma figura popular do Brasil. Um dos publicitários mais premiados de todos os tempos. Conquistou mais de 50 Leões no Festival de Publicidade de Cannes, apenas na categoria filmes, e é o único latino-americano a ganhar um Clio em 2001”, anunciava-se assim, em sua página oficial na internet.

É tudo verdade. Não mentiu, não aumentou. No universo da publicidade, Olivetto foi um dos maiores da história. E sabia disso, o que não significava que fosse soberbo, “nose up”, para usar uma expressão em inglês que ele facilmente trocaria por outra, em português: o bom e velho “nariz em pé”.

Isso ele não era, mas deixava claro que sabia de sua capacidade criativa e da importância que teve para a publicidade nacional e mundial. “Me acho um sujeito humilde, mas não o modestinho”, afirmava.

“Sempre tive o mesmo interesse por aquilo que é considerado intelectualizado e por aquilo que é considerado vulgar, sempre fui do útil ao fútil”, escreveu, em sua biografia “Direto de Washington”.

Descendente de italianos da região da Ligúria, nasceu no bairro da Lapa, na cidade de São Paulo, e cursou comunicação e psicologia, mas não chegou a se formar. Sua carreira começou em 1969, aos 18 anos, como redator em uma agência de publicidade, na qual foi procurar vaga como estagiário ao ter o pneu de seu carro furado em frente à empresa.

Adorava contar suas histórias e não via problemas em admitir que se amava, assim como amava a carreira; a mulher, Patricia Viotti; os filhos, Homero, Theo e Antonia; o Corinthians, e as carnes da churrascaria Rodeio. “Que sou vaidoso, obviamente é verdade”, afirmou, em entrevista à revista Trip.

Tanto gosto por falar de si próprio acabou rendendo uma farta produção literária em que o assunto era, na maioria das vezes, ele mesmo. Só de biografias — a seu modo, com textos curtos, cheios de referências, bastidores de grandes campanhas e narrações de experiências de vida e viagens — foram quatro: “O que a Vida me Ensinou”; “Direto de Washington” e sua continuação “Direto de Washington: Edição Extraordinária”, além de “Os Piores Textos de Washington Olivetto”.

O Corinthians, time do coração e uma paixão herdada de seu tio Armando, mereceu também sua atenção editorial. Sobre o clube, do qual foi vice-presidente de marketing e um dos fundadores do movimento Democracia Corintiana, nos anos 1980, escreveu “Corinthians x Outros” e “Corinthians – É Preto no Branco”, este com Nirlando Beirão. Em 2013, a escola de samba Gaviões da Fiel o homenageou em seu desfile de Carnaval, cujo tema foi a história da publicidade brasileira.

Leitor voraz, creditava à infância em meio aos livros boa parte de sua aptidão para a escrita, a publicidade e a comunicação em geral. O pendor para as vendas teria vindo do pai, um dos responsáveis pela implantação da fábrica de pinceis Tigre. “Os clientes do meu pai tinham tanta confiança nele que ele não vendia. Os caras é que compravam”, declarou.

Percebeu na adolescência que poderia juntar a paixão pelas letras com o ato de vender. Decidiu então tentar ser publicitário. “Aprendi a ler muito cedo, com cinco anos, e sempre gostei de escrever. Tanto que queria escrever para todas as mídias, jornal, revista, rádio, televisão”, contou, certa vez.

Foi com essa idade que teve uma febre altíssima e ficou um ano sem poder andar. Depois de consultar diversos médicos e, sem um diagnóstico preciso, tia Lígia — que trabalhava no Samdu, o Serviço de Assistência Médica Domiciliar e era mulher de Armando, aquele tio corintiano — concluiu: o sobrinho, a quem chamava carinhosamente de Ostinho, poderia ter paralisia infantil.

O tratamento: quase um ano na cama, imobilizado, para afastar o risco de ter alguma distensão que o fragilizaria ainda mais quando a doença se manifestasse. Passou todo esse tempo lendo o que caísse em suas mãos.

Passou a devorar livros, de Monteiro Lobato (“todos”) a Scott Fitzgerald. E sua bíblia: “O Apanhador no Campo de Centeio”, de J.D. Salinger. A doença, que bom, nunca se manifestou. “Depois de dez meses perceberam que eu estava muito bem”, lembrou, em entrevista a Mônica Bergamo, na Folha, em agosto de 2019. Liberado, teve que reaprender a andar.

A vida profissional, iniciada na agência HGP, a tal onde pediu o estágio ao ter o carro do pneu furado (“O senhor está no seu dia de sorte, meu pneu não costuma furar duas vezes na mesma rua”, disse, cheio de si ao dono, que prontamente o contratou), começou em grande estilo. Três meses depois já havia produzido seu primeiro comercial, com o qual conquistou o Leão de Bronze no Festival de Publicidade de Cannes.

Começou a ficar conhecido no meio publicitário e não tardou para ser contratado pela DPZ, onde, em 1974, ganharia o primeiro prêmio Leão de Ouro da publicidade nacional, no mesmo festival. Foi na DPZ que conheceu aquele a quem chama de seu mentor: Francesc Petit (a letra P; as outras iniciais são dos sobrenomes de Roberto Duailibi e Jose Zaragoza).

Para Olivetto, Petit, morto em 2013 em decorrência de um câncer, tinha “um talento excepcional a um caráter irrepreensível. Aprendi tudo o que sei, sobre a propaganda e a vida, com o Petit”, não cansava de dizer.

Ao longo da vida, recebeu várias propostas para fazer campanhas políticas. Recusou todas. “Com o passar do tempo, percebi que era um dinheiro muito bom de não ganhar. Não fiz, jamais vou fazer e, se fizesse, faria mal”, disse a Pedro Bial em 2023.

Onde estivesse — na DPZ, na W/Brasil, agência criada em 1986 em sociedade com a suíça GGK (tornando-se, a princípio, W/GGK ), e depois da W/McCann —, Olivetto foi responsável pela criação de comerciais memoráveis.

Sempre trabalhou com empresas privadas, mas isso não impediu de criar uma campanha marcante para a Vulcabras, estrelada por Paulo Maluf e Leonel Brizola, em 1997. Ambos defendiam, cada um com um discurso adequado ao seu vocabulário usual e ao espectro ideológico, as qualidades do sapato 752.

A propaganda entrou para a história, assim como, só para citar algumas em diferentes fases de sua vida profissional, “Meu Primeiro Sutiã”, para a Valisère; “Cachorrinho da Cofap”, “Casal Unibanco” e “Garoto Bombril”. Gentil, tímido e um pouco desengonçado, ele foi vivido por Carlos Moreno de 1978 a 2004, voltando ao ar em 2007. Foram cerca de 400 peças, e o trabalho o levou ao Livro dos Recordes como o garoto-propaganda que por mais tempo ficou no ar vendendo um mesmo produto.

O currículo vitorioso de Olivetto não cabe em uma folha de jornal mas nele ainda constam feitos que o envaideciam particularmente (e não é para menos). Criados na segunda metade dos anos 1980, “Meu Primeiro Sutiã” e “Hitler”, para a Folha, foram os únicos comerciais brasileiros a constar na lista dos cem maiores comerciais de TV de todos os tempos, no livro “The 100 Best TV Commercials nad Why They Worked” escrito em 1999 por Bernice Kanner, colunista do New York Times especializada em propaganda.

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