Câmara e Senado terão dias esvaziados nas três semanas que antecedem o 1º turno. Análise de pautas polêmicas foi estrategicamente adiada para evitar desgastes na disputa municipal
Por Kevin Lima, g1 — Brasília
Câmara e Senado desaceleram ainda mais os trabalhos a partir desta semana. Focados nas eleições municipais, parlamentares devem esvaziar o Congresso Nacional e retomar votações de propostas somente em outubro.
Os calendários do Legislativo têm sofrido alterações desde a largada das campanhas em agosto. O objetivo é equacionar o envolvimento dos congressistas nos pleitos e as análises de projetos.
Nas últimas semanas, as duas Casas cumpriram um calendário previamente acordado de funcionamento — presencial e semipresencial — para discutir textos ora consensuais, ora divergentes.
O cenário alterado pelas eleições afetou a conclusão da análise, na Câmara, de uma das propostas que regulamenta a reforma tributária, por exemplo.
No Senado, atrasou o início das discussões de outro projeto de regulamentação, já aprovado pela Câmara. Essas iniciativas são prioritárias para o governo Lula.
O encontro de congressistas com os eleitores nos municípios também influenciou e provocou adiamento da votação de outros dois projetos: o que libera os jogos de azar no Brasil e o que autoriza a venda de cigarros eletrônicos.
- 65 deputados e senadores titulares participam de forma direta das eleições municipais como candidatos a prefeito ou vice-prefeito – quase 11% do total de congressistas. De forma indireta, centenas de outros parlamentares atuam como cabos eleitorais.
Sucessão e emendas
Mas as eleições não são o único fator de atraso na análise de projetos.
Parlamentares citam as articulações para a disputa que vai eleger os novos presidentes das duas Casas e as discussões sobre o futuro das emendas como outros motivos do “banho-maria” em que colocaram diversos projetos.
O tema das emendas parlamentares mobiliza congressistas — a solução esperada para os termos do acordo fechado com o Executivo no Supremo Tribunal Federal (STF) não foi apresentada.
- E as leis orçamentárias de 2025, que tratam de valores e distribuição das emendas, ainda não foram analisadas pela Comissão Mista de Orçamento.
Além disso, passadas as eleições, a formação de alianças para a disputa aos comandos da Câmara e do Senado em 2025 vai se intensificar.
Do lado dos deputados, há uma avaliação de que siglas que tiverem bons resultados nas urnas podem ganhar mais poder de barganha e posicionar melhor os seus candidatos na busca por apoios.
Volta em outubro
Depois do esforço concentrado entre agosto e setembro, o Congresso deve retomar o funcionamento normal na segunda semana de outubro — após o primeiro turno das eleições municipais.
- Em todo o país, somente 103 cidades podem ter segundo turno, o que diminui o envolvimento de parlamentares com as campanhas.
Na Câmara, a previsão é de que não haverá sessões até o próximo mês. Líderes partidários dizem que, caso haja necessidade, convocações extraordinárias até podem ocorrer, mas no sistema semipresencial de votação.
No Senado, entre as últimas semanas de setembro e o início de outubro, a Casa deverá ter sessões deliberativas semipresenciais, sem projetos polêmicos na pauta.
A partir de 7 de outubro, as duas Casas devem mergulhar em propostas que foram empurradas para os últimos meses de 2024.
Veja a seguir sobre o que tratam e em quais estágios estão esses projetos:
Regulamentação da tributária
O Executivo trata como prioridade a conclusão neste ano, no Congresso, da análise dos textos que regulamentam a reforma tributária, promulgada no fim de 2023.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), já indicou que a Casa deve avançar, após as eleições municipais, com a primeira etapa da regulamentação.
Este projeto já foi aprovado pela Câmara e cria os guias para as cobranças dos três impostos sobre o consumo – IBS, CBS e Imposto Seletivo – instituídos na reforma do sistema tributário. Também estabelece alíquota zero para itens da cesta básica, como carnes.
- O texto está na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) sob a relatoria do senador Eduardo Braga (MDB-AM). Depois de passar pelo colegiado, o projeto ainda precisa ser votado pelo plenário do Senado. Se sofrer mudanças, terá de voltar à Câmara.
A segunda etapa da regulamentação da reforma está parcialmente concluída na Câmara. Os deputados aprovaram, em agosto, o texto-base do projeto com regras para a gestão compartilhada entre estados e municípios do IBS, o novo imposto sobre consumo que substitui ICMS (estadual) e ISS (municipal).
Restaram as votações dos chamados destaques (sugestões de mudança no texto). A expectativa é que a votação seja concluída em outubro e o projeto siga ao Senado.
Mercado de carbono
Outro tema já elencado como prioridade por governistas e que tem sido alvo de debates nas duas Casas é o projeto que regulamenta o mercado de carbono no Brasil.
- Câmara e Senado enfrentam um impasse em torno dessa proposta – pois aprovaram projetos divergentes sobre o tema.
Primeiro, foi o Senado, que enviou a proposta para análise da Câmara. Lá, os deputados anexaram o projeto a um outro e sugeriram a rejeição do texto dos senadores. Na sequência, apresentaram e aprovaram uma nova versão.
Enviado ao Senado, o texto aprovado pelos deputados não avançou.
Rodrigo Pacheco já entrou em campo para que a relatora da proposta no Senado, Leila Barros (PDT-DF), e o relator na Câmara, Aliel Machado (PV-PR), cheguem a um texto de consenso.
Dívida dos estados
Na Câmara, líderes esperam que, em outubro, avance um projeto que cria um novo plano de renegociação da dívida de estados com a União.
- O texto já foi aprovado pelo Senado e teve a urgência aprovada pelos deputados na última semana, o que acelera a análise pela Câmara.
Este projeto foi gestado por Rodrigo Pacheco, que tenta assegurar ao seu estado, Minas Gerais, uma alternativa ao atual regime de recuperação fiscal. O débito de Minas com a União supera R$ 160 bilhões.
Indicação do presidente do Banco Central
Em 8 de outubro, o Senado vai analisar a indicação do economista Gabriel Galípolo para o cargo de presidente do Banco Central.
Galípolo foi indicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 28 de agosto para substituir Roberto Campos Neto, que deixa o comando do BC em 31 de dezembro.
O governo tentou antecipar a análise do nome de Galípolo pelos senadores, mas não teve sucesso.
- No dia 8, pela manhã, o atual diretor de Política Monetária do BC será sabatinado pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE). Depois, terá o seu nome submetido à votação no plenário principal do Senado.
Senadores avaliam que Gabriel Galípolo não enfrentará adversidades na CAE e na votação em plenário.
Jogos de azar e vapes
Depois das eleições, lideranças do Senado avaliam que deverá entrar na pauta do plenário da Casa a proposta que libera os jogos de azar no Brasil, como bingo, jogo do bicho e cassino.
O texto já foi aprovado pela CCJ do Senado e pela Câmara dos Deputados. Falta somente a análise pelo conjunto dos senadores, no plenário principal. Se aprovado do jeito que está, o projeto seguirá para sanção do presidente Lula. O petista já disse que não vai se opor à proposta.
- A inclusão do projeto na agenda de votações chegou a ser debatida em junho, durante reunião de líderes. Na ocasião, lideranças defenderam o adiamento para depois das campanhas municipais. Em reservado, à época, senadores avaliavam que o avanço do texto poderia gerar prejuízos no pleito.
Avaliação semelhante foi feita para outro projeto que divide opiniões dentro e fora do Senado: o que autoriza a venda de cigarros eletrônicos, os vapes. O projeto está na CAE e sofreu sucessivos adiamentos.
O presidente do colegiado, Vanderlan Cardoso (PSD-GO), que é candidato a prefeito de Goiânia (GO), mencionou diretamente as eleições ao concordar com o relator, senador Eduardo Gomes (PL-TO), pela retirada do projeto da pauta.
- Ele disse, na ocasião, que os “nervos” estavam “à flor da pele” e que “alguns absurdos estão acontecendo com relação a esse projeto”.
A proposta deve retornar à agenda de votações da comissão após as eleições.
Cassação de deputado preso
Na volta das eleições, a Câmara deve ter a palavra final sobre o mandato do deputado Chiquinho Brazão (sem partido-RJ), acusado de mandar matar a vereadora Marielle Franco (PSOL) e o motorista Anderson Gomes.
- Em agosto, o Conselho de Ética da Casa recomendou, por 15 votos a 1, que o plenário aprove a perda de mandato de Brazão por condutas incompatíveis com o decoro parlamentar.
Nos últimos dias, foi aberto prazo para que Chiquinho Brazão, que está preso em Brasília, recorra à CCJ da Câmara contra procedimentos adotados no processo do Conselho de Ética. Em agosto, a defesa afirmou que apresentaria recurso. A expectativa é que a comissão analise o pedido em outubro.
Caso haja rejeição ao recurso, o caso seguirá ao plenário da Câmara. A decisão final pela eventual cassação caberá ao conjunto dos deputados. Para cassar o mandato, são necessários os votos de ao menos 257 deputados (maioria absoluta dos deputados) em uma votação aberta e nominal.
Perdão a golpistas
No retorno aos trabalhos, já na segunda semana de outubro, a CCJ da Câmara deve avançar na análise da proposta que perdoa condenações de vândalos envolvidos com os atos golpistas de 8 de janeiro de 2023.
Primeiro, o relator, deputado Rodrigo Valadares (União Brasil-SE), fará a leitura de seu parecer — que não chegou a ser realizada na última semana em razão de mobilização de parlamentares da base governista.
Finalizada a leitura e o voto, será iniciada a discussão do texto. Nessa etapa, deputados poderão pedir vista (mais tempo para análise) — o que tende a ocorrer.
Pelas regras internas da Câmara, se houver vista em 8 de outubro — data programada para a leitura do relatório —, o texto estará liberado para ser votado na semana seguinte.
Redução da inelegibilidade de políticos
Após as eleições, os senadores devem voltar a discutir a proposta que reduz o período de inelegibilidade — prazo em que políticos não podem disputar eleições — de condenados por crimes comuns e cassados.
O projeto foi aprovado pela CCJ da Casa, mas enfrentou resistência no dia em que foi pautado para votação no plenário do Senado. O relator, senador Weverton (PDT-MA), optou, então, por pedir a retirada do item da pauta. Ele sugeriu que o tema seja retomado depois das eleições.
Outros temas
A cinco meses do fim das gestões de Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco à frente da Câmara e do Senado, respectivamente, pautas listadas por eles ao longo do último ano de mandato podem voltar à discussão no Congresso.
Lira, por exemplo, afirmou que tinha interesse em pautar projetos ligados à segurança pública, com foco em propostas de combate ao crime organizado e o tráfico de armas e drogas.
Já Pacheco tem reiterado o desejo de ver concluídas neste ano as análises:
- do projeto que regulamenta o uso da inteligência artificial no país
- da proposta que acaba com a reeleição no Executivo
- do projeto que cria um novo Código Eleitoral