Substância fosfoetanolamina ganhou destaque em 2015, mas sua eficácia nunca foi comprovada.
Por Folha de S.Paulo
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) afirmou, nesta terça-feira (23), que a substância fosfoetanolamina não está autorizada para tratamento de câncer.
Conhecida popularmente como “pílula do câncer”, a fosfoetanolamina sintética ganhou destaque em uma polêmica médica em meados de 2015, mas sua eficácia nunca foi comprovada cientificamente.
Desde então, vídeos sobre sua suposta eficácia para a doença continuam circulando na internet. É falso, por exemplo, que um professor da Universidade de São Paulo (USP) tenha descoberto uma substância química capaz de curar o câncer, como afirmam vídeos compartilhados em grupos no WhatsApp.
A agência reguladora esclarece que propagandas nas redes sociais que sugerem que a fosfoetanolamina combate o câncer ou qualquer outra doença, atribuindo-lhe propriedades funcionais ou de saúde, são irregulares e enganosas.
“Utilizar produtos não registrados na Anvisa para o tratamento do câncer é extremamente arriscado. Esses produtos podem interferir negativamente nos tratamentos convencionais, além de apresentar riscos de contaminação”, alerta a agência.
Além disso, a substância também não tem aprovação da Anvisa como suplemento alimentar.
Como mostrou a Folha, a fosfoetanolamina não é considerada uma substância alternativa para o tratamento de câncer.
Seu uso como pílula teve início na década de 1990, mesmo sem comprovações científicas, e se baseava na hipótese de que a substância funcionaria como um marcador das células cancerígenas, o que ajudaria o sistema imunológico no combate à doença.
No entanto, a eficácia da substância nunca foi comprovada por testes clínicos. A USP fechou o laboratório de química e denunciou o professor Gilberto Chierice por crimes contra a saúde pública e curandeirismo.
A Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica enfatiza também que não há embasamento científico para associar a fosfoetanolamina ao tratamento alternativo para o câncer.
Polêmica da ‘pílula do câncer’
Ainda que não tenha sua eficácia comprovada, a “pílula do câncer” foi distribuída gratuitamente na USP de São Carlos por pelo menos 20 anos. Segundo o professor Gilberto Chierice, já falecido, o laboratório de química da universidade chegou a produzir 50 mil cápsulas por mês, o que atenderia cerca de 1.000 pacientes.
Mesmo com a popularidade alta entre os pacientes oncológicos, a pílula ganhou repercussão nacional só a partir de 2015, com o aumento no número de ações judiciais movidas contra o Instituto de Química.
Pacientes recorreram à Justiça para ter acesso ao medicamento, após a portaria nº 1389/2014, publicada pela diretoria da universidade, determinar que a distribuição de substâncias com a finalidade medicamentosa só poderia acontecer com a apresentação de licenças e registros.
O assunto chegou a ser tema de discussões no Congresso Nacional e a polêmica da fosfoetanolamina sintética ganhou novos contornos em outubro de 2015, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) liberou o uso da droga a um paciente em fase terminal.
No ano seguinte, por meio da aprovação da lei 13.269/2016, de autoria do então deputado federal Jair Bolsonaro, parlamentares autorizaram a produção, importação, distribuição, prescrição e uso da fosfoetanolamina sintética independentemente do registro da Anvisa, contrariando a posição de entidades de saúde.
O projeto de lei foi sancionado pela então presidente Dilma Rousseff (PT), às vésperas do impeachment. Só que a decisão durou pouco tempo. Cerca de um mês depois, o Supremo derrubou a validade da lei e proibiu a liberação das cápsulas por entender que a ausência de testes colocava em risco a vida dos pacientes.
“O fornecimento de medicamentos não pode ser com atropelos de requisitos mínimos de segurança para o consumo da população sob pena de esvaziar o próprio conteúdo do direito nacional à saúde”, disse o relator do caso, ministro Marco Aurélio.
Com a repercussão, dois estudos sobre a eficácia da pílula foram iniciados. Uma pesquisa do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp), financiada pelo governo do Estado de São Paulo, analisou por oito meses a eficácia da substância em 59 pacientes avaliados, mas, em 2017, foi suspensa por falta de “benefício clínico significativo”.
Outro estudo, promovido pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, também mostrou que camundongos e ratos com câncer que receberam doses da substância não tiveram nenhuma melhora –os tumores presentes no organismo dos animais continuaram a crescer. O único resultado positivo das análises foi a indicação de que a fosfoetanolamina não seria tóxica.
O resultado dos estudos foi contestado por Gilberto Chierice e as pesquisas sobre a pílula anticâncer foram alvos de uma CPI, conduzida pela Alesp (Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo). O relatório final do colegiado, de 2018, apontou falhas nas pesquisas e que o estudo deveria continuar. Até hoje, a eficácia da fosfoetanolamina sintética contra o câncer não foi provada.