Por Marcos Cesário*
Como todos os anos, fugi da cidade e fui para a minha cabana no topo da serra para fugir do barulho das festas juninas e só voltei quando a cidade voltou a ser o que é na maior parte do ano: uma cidade quase pacata do interior baiano.
Sábado passado encontrei Elizeu, meu cunhado, e lhe perguntei como tinha sido a organização da festa de São João em nossa cidade. Ele me disse que, apesar de muito trabalho, tudo correu bem na organização, mas que lamentava a morte dos jovens eletrocutados enquanto prestavam serviço para uma empresa que cuidava da instalação de postes nas ruas da cidade. Eu não sabia… Lamentei também pela morte destes jovens desconhecidos e pela dor que deviam estar sofrendo seus familiares.
Logo mudamos de assunto e, para mim, a tarde continuou tranquila como tinha terminado a manhã.
Hoje, perto de meio-dia, parei o carro na porta de um supermercado para comprar café. Na saída do supermercado, Edson, que não via há algum tempo, veio em minha direção e, antes mesmo de apertar sua mão, ele me perguntou: “você ainda não sabe, não é, Marcos?”. “O quê, Edson?”, respondi por puro instinto. Com uma voz machucada respondeu: “Meu filho morreu…”
O filho de Edson era um dos dois jovens que morreram eletrocutados. Foi o que morreu primeiro. No local do acidente. E lá fiquei com Edson uns 25 minutos, em pé, no meio da rua, ouvindo sua dor. Olhando sua dor. Tentando, em vão, tocar sua dor.
Seu filho tinha 19 anos e já era pai de uma garotinha de um ano. E estava substituindo, aos poucos, a pressa do menino pela cautela do homem.
Há pouco mais de 20 anos, Edson me confessou o sonho de ser pai. Mas ele e Mônica, sua esposa, tinham dificuldades para concluir este desejo. Depois de alguns tratamentos e muitas orações: nascia Tarcísio. Tarcísio nasceu da vontade, da fé e do amor de Edson e Mônica. E, agora, com o mesmo amor e com uma dor que dói do corpo a alma: enterraram seu filho primogênito.
Edson, Mônica, o amor é esta coisa que começa em algum lugar e nunca termina. Ele fica na vida e renasce até depois da morte. O amor que por 19 anos deram e tiveram com e em seu amado filho Tarcísio: vai continuar crescendo no útero das recordações. Não sei como dói uma dor assim. E como pai tenho medo de saber. Mas, sei que a morte de um filho dói muito e vai doer sempre. Edson, Mônica, espero que a dor, qualquer dia, doa menos: que, com o tempo, a dor seja menos comprida, menos dolorida e quem sabe mais compreendida.
A mim, o que resta são estas palavras que não consegui organizar completamente quando recebi, repentinamente, a triste notícia da boca e dos olhos inconformados de um pai.
Edson, Mônica, ofereço meu abraço sincero e estas palavras cheias de um susto e de um triste silêncio…
*Marcos Cesário é escritor e fotógrafo bonfinense