Ontem, no início da tarde, minha irmã interrompeu o assunto que estávamos conversando e, com cara de quem tinha acabado de lembrar de algo, me perguntou: “você conhecia o filho daquela médica que se suicidou hoje?!”. Ainda tentando digerir a notícia que veio em forma de pergunta, respondi: “brinquei com ele na infância, frequentei muitas vezes a sua casa, mas depois de adulto nos falamos uma única vez ao nos reencontrarmos por acaso numa rua da cidade, e nunca mais, sequer, nos cumprimentamos”.
Ainda assim fiquei sinceramente triste com a notícia. Não só porque L morreu prematuramente, mas, também, porque sei que fora muito bem criado, cuidado e amado por seus pais. Quando garoto, uma das coisas que mais me impressionavam era a forma como L e seus irmãos eram abraçados e abraçavam o pai: eles sempre demostravam afeto na frente de qualquer pessoa e principalmente na presença daqueles garotos que brincavam na porta da casa da família.
A mim, que fui criado sem pai, as demonstrações de carinho e afeto entre os pais e os irmãos daquela família me encabulavam e me causavam uma certa inveja. Sempre guardei aqueles pequenos instantes de intimidade compartilhada, entre eles, em nossa frente, como uma das referências mais belas de amor e cuidado entre uma família.
Ainda hoje, vez ou outra, encontro o pai de L andando tranquilamente com o cachorro na rua em que L e seus irmãos foram criados. Uma rua abaixo da rua em que eu morava quando garoto. Os pais de L ainda moram na mesma casa. E toda vez que passo de carro pela porta da casa deles me vêm à memória estes momentos que guardei como privilegiada testemunha.
L morreu. E morreu de uma morte que não ajuda a conciliar a dor de perder um filho que foi tão cuidado e amado por seus pais. No velório, um amigo atual de L me disse que ele passou por muitos problemas estes últimos anos e que sua mãe e seu pai fizeram de tudo para salvá-lo de si mesmo…
Um poeta disse certa vez que quem fazia o que podia cumpria seu dever. Os pais cumpriram seu dever com L. Mas, infelizmente, o amor, nem sempre, cura tudo.
Acabei de chegar do enterro. A companheira de L, assustada, chorava, seu irmão olhava serenamente o irmão morto e olhava a si mesmo calado. A irmã caçula olhava atentamente seus pais e seu irmão no caixão: como que tentando descobrir algo no rosto dele que talvez não tivesse visto antes.
Enquanto L estava sendo sepultado, a mãe dele verificava se o casaco de seu marido estava fechado. Estava frio. Ela, a mãe, estava com os olhos marcados pela dor e pela tristeza e ele, o pai, tinha nos olhos um vazio que todos tememos. Sou pai… Que pai, que mãe, não tem medo de encontrar aquele mesmo olhar cheio de vazio no espelho?
Chovia uma chuva fina enquanto o corpo de L descia à sepultura. E todos estávamos bem agasalhados. Enquanto escrevo, as pessoas, como eu, que foram prestar solidariedade estão em suas casas agora. Uns lamentam mais que os outros. E, para nós, testemunhas da dor alheia: continuaremos, amanhã, as nossas vidas, sem danos irreparáveis.
Diferente da família de L que terá um longo inverno pela frente… Que o amor, que, sem reservas, sempre demostraram sentir uns pelos outros, os aqueça de tanto frio…
Texto do fotógrafo Marcos Cesário em homenagem a um amigo de Senhor do Bonfim que faleceu na última terça-feira, dia 06 de junho.