
Entidades ligadas às causas femininas denunciaram o risco de aumento da sub-representação das mulheres nas prefeituras e Câmaras de Vereadores devido ao impacto da pandemia de Covid-19 nas eleições municipais deste ano. O tema foi debatido em seminário da Secretaria da Mulher da Câmara dos Deputados, na última sexta-feira (21).
Além de enfrentarem resistências dentro dos partidos políticos, as mulheres afirmam que o trabalho remoto em meio às atividades de casa e os cuidados extras com os filhos diante do fechamento de escolas e creches, dificultam as campanhas femininas. Além disso, as mulheres são cerca de 70% dos profissionais que estão na linha de frente do combate à pandemia, sobretudo nos hospitais e órgãos de assistência social.
Para a representante da ONU Mulheres, esse quadro atrapalha os planos de superar os números das eleições de 2016, quando foram eleitas apenas 10% de prefeitas e 13,5% de vereadoras no país inteiro. Ana Carolina Lourenço, do movimento Mulheres Negras Decidem, divulgou uma pesquisa com 245 ativistas em causas de raça e gênero em todo o país e que tiveram a intenção de se candidatar abalada com a pandemia.
“Mais de 62% da nossa amostra atuou diretamente no enfrentamento à covid, mobilizaram em média R$ 3 mil em suas ações e impactaram mais de 1,5 milhão de pessoas. Desse grupo de pessoas, antes do início da pandemia, 29% queriam ser candidatas na eleição de 2020; e, depois da pandemia, 5% já haviam desistido diretamente da candidatura e 29% das que ainda queriam ser candidatas não teriam certeza se estavam filiadas aos partidos nos quais elas teriam uma possibilidade de se candidatar”.
Representante da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), a antropóloga Iza Tapuia afirmou que a pandemia agravou o quadro de violência e supressão de direitos que as comunidades tradicionais vêm enfrentando, segundo ela, “com a complacência do Estado”. Nesse contexto, Iza Tapuia avalia ser difícil reverter a sub-representação: em 2016, cerca de 1.600 indígenas se candidataram (28 para prefeito e 1.519 para vereador), dos quais apenas 27% eram mulheres.
“Eu espero que, depois das convenções, nós possamos neste ano ter mais mulheres indígenas (candidatas). Mas, nesse contexto de pandemia, em que estamos preocupadas em livrar o nosso povo dessa situação, é complexo para que a gente se envolva em um processo dessa natureza. A Lei Eleitoral é geral para todo mundo e essa burocracia é custosa para nós”.
Já na relação com as legendas, a coordenadora do Fórum Nacional de Mulheres de Instâncias de Partidos Políticos, Miguelina Vecchio, cobrou mais fiscalização da Justiça Eleitoral quanto ao cumprimento da cota de 30% para candidaturas femininas, com o respectivo percentual de financiamento e de tempo na propaganda de rádio e TV. Segundo Miguelina, as chamadas “candidaturas laranjas” de mulheres têm que acabar.
“Se não tem mulher suficiente, que reduzam o número de homens. Até porque quem planta o laranjal nos partidos são os homens que dizem: ‘você tem que ajudar o partido’. Partido político não precisa de ajuda, precisa de ética”.
A coordenadora da Secretaria da Mulher da Câmara, deputada Professora Dorinha Seabra Rezende, do DEM do Tocantins, tem buscado implementar esse rigor na fiscalização por meio de reuniões da bancada feminina com o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Luís Roberto Barroso
“A preocupação é que as mulheres possam ter voz e ajudar a decidir os caminhos que serão tomados pelos partidos, inclusive nos debates para o financiamento para as posições majoritárias e proporcionais. Há provocação também, no âmbito do próprio TSE, da criação de um órgão que fiscalize as contas com foco em gênero para que os partidos possam, de verdade, cumprir com o mínimo de 30% para o financiamento de candidaturas de mulheres”.
Para a coordenadora adjunta da Secretaria da Mulher, deputada Tereza Nelma, do PSDB de Alagoas, as ações de formação e de capacitação política da mulher devem ser intensificadas.
“Uma das propostas será a de, quando acabar essa campanha, a gente já começar a pensar e não deixar chegar o (próximo) ano eleitoral porque senão a gente vai chover no molhado de novo. Hoje tem vários partidos procurando mulheres para serem candidatas e não é isso que nós queremos. Nós queremos que as mulheres vão até os partidos para se filiarem, tenham essa coragem e acreditem que nós podemos”.
Teresa Sachet, professora da Universidade Federal da Bahia, acrescentou que a pandemia não pode ser “desculpa” para os partidos deixarem de efetivar suas secretarias e outros órgãos específicos de valorização da participação feminina na política. Sachet elogiou alternativas como a dos mandatos coletivos, geralmente coordenados por mulheres negras nos parlamentos municipais.