Gente Que Faz História: Rei Roberto Carlos completa 80 anos

FONTE: Por BBC

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Maria Bethânia tinha por volta de 18 anos quando viu Roberto Carlos pela primeira vez na TV. Foi no Programa Jovem Guarda, que o cantor apresentou, ao lado de Erasmo Carlos e Wanderléa, de 22 de agosto de 1965 a 17 de janeiro de 1968, na Record. “Fiquei deslumbrada”, recorda a baiana. “Gostei de tudo: da voz, da interpretação, do charme… Fiquei completamente comovida e arrebatada”.

Antes de estourar na Record, Roberto participou de Hoje É Dia de Rock, na extinta TV Rio. Foi em uma dessas apresentações que, com 12 anos, o pequeno Luiz Maurício, o Lulu Santos, acompanhado do tio Haroldo, descobriu o que queria fazer da vida: “tocar guitarra na TV”, como diria na canção Minha Vida (1986). “Foi a ponta de um proverbial iceberg. Entramos no teatro antes da transmissão e vi músicos ensaiando pela primeira vez. Aquilo mudou minha vida”, admite o último romântico.

A memória afetiva de Teresa Cristina consegue ir ainda mais longe. Ela conta que aprendeu a balbuciar as primeiras palavras, quando era pequena, ouvindo a mãe, Dona Hilda, cantarolar as músicas do Roberto Carlos enquanto lavava roupa no tanque. A mãe cantava e a filha imitava. “O álbum de 1972, que tem À Janela e A Montanha, foi uma cartilha. Comecei a falar ali, repetindo os versos do Roberto”, recorda a sambista. “Tenho uma relação muito emotiva com esse disco”.

Mal sabiam Bethânia, Lulu e Teresa que, décadas depois, gravariam álbuns em homenagem ao ídolo de todas as idades: As Canções Que Você Fez pra Mim (1993), Lulu Canta & Toca Roberto e Erasmo (2013) e Teresa Cristina + Os Outros = Roberto Carlos (2012). Esses são apenas três dos mais de 140 títulos, entre LPs e CDs, que artistas, nacionais e internacionais, já lançaram com músicas do artista.

De Elvis a Sinatra

O pioneiro do gênero foi Sônia Mello Interpreta Roberto e Erasmo Carlos, lançado pela gravadora Odeon no distante ano de 1975. De lá para cá, um número incontável de artistas, dos mais diferentes gêneros e estilos, seguiram o exemplo da cantora pernambucana: Nara Leão (1978), Waldick Soriano (1984), Roberto Leal (1999), Padre Marcelo Rossi (2001), Cauby Peixoto (2009), Roberta Miranda (2014) e Nando Reis (2019).

“As canções do Roberto são lindas, falam de amor e têm conteúdo. Por essas e outras, atravessam gerações”, tenta explicar Roberta Miranda que, quando adolescente, cansou de sair correndo atrás do carro do ídolo só para vê-lo de perto. “Certa vez, levei empurrão e ralei os joelhos. Naquele dia, até puxão de cabelo me deram”, cai na risada.

Apresentado por Roberto, Erasmo e Wanderléa, Programa Jovem Guarda, da TV Record, durou quase três anos, de agosto de 1965 a janeiro de 1968 — Foto: Divulgação

De todos os tributos, o mais bem-sucedido, comercialmente, foi As Canções Que Você Fez pra Mim (1993). Segundo estimativas extraoficiais, vendeu mais de um milhão de cópias. A ideia, lembra Bethânia, partiu de um dos executivos da Polygram, Max Pierre. Segundo a cantora, Roberto e Erasmo não opinaram sobre os arranjos, nem participaram da seleção das músicas. “Ninguém opina em repertório meu. Se não, eu não sei cantar”, garante Bethânia que, à época, morou dois meses em Los Angeles, onde parte do CD foi gravada.

Roberto Frejat nunca gravou um álbum só com músicas do xará. Mas, em compensação, produziu um songbook: Rei (1994), que reuniu grandes nomes do rock nacional, como Skank (É Proibido Fumar), Cássia Eller (Parei na Contramão) e Blitz (Sentado à Beira do Caminho). Com o Barão, ele cantou Quando (1967).

“Sou muito fã da fase mais rock’n’roll dos anos 1960. Mas, qualquer pessoa sensata sabe que o talento dele não acabou ali. Tem grandes canções gravadas nos anos 1970, quando fez a transição de Elvis Presley para Frank Sinatra”, analisa o cantor, compositor e guitarrista.

O divisor de águas

Autor dos livros Roberto Carlos em Detalhes (2006) e O Réu e o Rei: Minha História com Roberto Carlos, em Detalhes (2014), o jornalista e escritor Paulo César de Araújo divide a carreira do artista em três fases. A primeira vai de 1965 a 1971 e corresponde ao seu auge discográfico.

“São grandes discos. Um melhor que o outro”, entusiasma-se. A segunda abrange um período mais longo, de 1972 a 1986. É a consolidação de sua fase romântica. “Cai o número de grandes canções por álbum. Roberto já não tem o pique criativo de antes”, detecta. E a terceira e última fase: de 1987 até os dias atuais. “Não há nenhum grande disco, mas ainda temos grandes canções, como Nossa Senhora (1993) e Esse Cara Sou Eu (2012)”, exemplifica.

O primeiro álbum, com João e Maria de um lado e Fora do Tom do outro, foi lançado em 1959, pela Polydor. Antes disso, porém, Roberto ouviu “não” de pelo menos quatro gravadoras: Chantecler, RCA, Philips e Odeon. Desde então, lançou mais de 62 álbuns nacionais e 40 internacionais, que venderam, segundo estimativas, algo em torno de 120 milhões de cópias.

Desses, o mais importante, na opinião de Paulo César, é Jovem Guarda (1965), que traz o megahit Quero Que Vá Tudo Pro Inferno. “Foi o disco que definiu a sonoridade pop moderna brasileira dos anos 1960”, sintetiza o pesquisador. “Historicamente, é o disco mais importante da carreira do Roberto. Daquele disco em diante, todo mundo passou a copiá-lo”.

Roberto Carlos com Papa João Paulo 2º: além de canções românticas e ecológicas, Roberto escreveu canções religiosas, como Jesus Cristo (1970), A Montanha (1972) e Luz Divina (1991) — Foto: Divulgação

Para o jornalista e escritor Nelson Motta, o álbum mais relevante, musicalmente falando, é o de 1969. “Com Não Vou Ficar, Sua Estupidez e As Curvas da Estrada de Santos, marcou sua passagem de ídolo juvenil para adulto”, destaca o compositor que teve uma de suas canções, Como Uma Onda (1983), em parceria com Lulu Santos, cantada por Roberto no especial da TV Globo, de 2013.

Tárik de Souza pensa diferente. Na opinião do jornalista e crítico musical, o mais importante é o álbum de 1971. É o que traz a autoral Detalhes, a psicanalítica Traumas, a rebelde Todos Estão Surdos, a romântica Amada Amante… E, ainda, Como Dois e Dois, de Caetano Veloso, e Debaixo dos Caracóis dos Seus Cabelos, que Roberto compôs para o baiano em seu exílio político, em Londres.

“Junto com o parceiro Erasmo, Roberto moldou um pop brasileiro de largo espectro, utilizando elementos da MPB, rock e balada. Tudo coroado pelo excelente desempenho como cantor, de estilo cevado na melhor escola modernista, a de João Gilberto”, diz.

Amigos de fé

A parceria com Erasmo começou em 1963, com Parei na Contramão, que abre o álbum Splish Splash. Roberto escreveu um trecho da letra durante seu expediente como datilógrafo do Ministério da Fazenda. Segundo levantamento do ECAD, Roberto Carlos tem 676 músicas cadastradas – a imensa maioria em parceria com o “Tremendão”.

A letra de Imoral, Ilegal ou Engorda (1976), por exemplo, foi composta ao telefone: Roberto em Los Angeles e Erasmo no Rio. Mas, alguns de seus clássicos são solos, como Namoradinha de Um Amigo Meu (1966), Como É Grande o Meu Amor Por Você (1967) – composta para a primeira mulher, Cleonice Rossi, a Nice – e Por Isso Corro Demais (1967). Suas favoritas são Detalhes (1971) e Eu Te Amo Tanto (1998) – homenagem a Maria Rita Simões, sua terceira esposa – e a mais regravada, Emoções (1981), com 92 versões. Para Erasmo, “o mais certo das horas incertas”, compôs Amigo (1977).

“Roberto Carlos foi muito sagaz ao perceber que a Jovem Guarda era um movimento passageiro. Quando sentiu que aquele modismo estava prestes a se extinguir, migrou para a fase romântica. Talvez, se tivesse insistido mais na fase rock’n’roll, não tivesse se perpetuado como cantor romântico”, analisa o jornalista e historiador Ricardo Cravo Albin. Além de músicas que tocam o coração, Roberto passou a escrever também canções de apelo ecológico, como O Progresso (1976), As Baleias (1981) e Amazônia (1989), e de cunho religioso, como Jesus Cristo (1970), A Montanha (1972) e Luz Divina (1991).

Roberto tem 676 músicas cadastradas no ECAD – a imensa maioria em parceria com Erasmo Carlos. A mais regravada é Emoções (1981) — Foto: Acervo cia BBC

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